Muitas vezes junta-se às tarambolas-douradas um grande
fuselo americano, e ocasionalmente acompanham-nas outras narcejas, na longa
rota do Atlântico. Esta rota é de facto um encurtamento, mas só o
maçarico-esquimó e a tarambola-dourada a percorrem regularmente todos os outonos.
Entre as aves do Árctico, só eles possuem a força e a velocidade de voo
indispensáveis para fugir ou enfrentar as tempestades do alto mar, que não são
raras. Além disso, graças a esta rota, elas podem usufruir dos arandos escuros
que amadurecem no Outono, e crescem abundantemente nas encostas e nos planaltos
do Lavrador. As aves que migram sobre o continente privam-se destas reservas de
alimento. Ao contrário, na Primavera, as tarambolas e os maçaricos têm que
seguir a rota habitual sobre as planícies do Oeste, pois nessa altura os
arandos estão endurecidos e mortos, debaixo da neve. No Lavrador ainda domina o
inverno, quando o Árctico se cobre já dos verdores da Primavera.
Pela
manhã, a tundra lá em baixo não era já tão cinzenta e monótona. Manchas escuras
e sinuosas atravessavam o terreno. Desde o cair da noite, as aves tinham
deixado para trás seiscentos quilómetros, e agora aproximavam-se da fronteira
dos bosques subárcticos de abetos. Os prolongamentos escuros que penetravam na
tundra eram vales de rios florestados. Estes vales protegiam os pequenos abetos
das tempestades de neve, e permitiam-lhes sobreviver. Aos primeiros alvores da
manhã, as aves desceram na zona pantanosa de um lago. Repousaram por uns
momentos e começaram a comer logo que a manhã clareou.
Com as
suas pernas altas e o bico encurvado, o maçarico sobressaía claramente no meio
das tarambolas, que tinham penas mais escuras e bicos mais curtos. Sendo
concorrentes e inimigas na reserva, as duas espécies migravam em conjunto há
inúmeras gerações, e aqui misturavam-se como iguais. Chegavam outras narcejas -
pernas-amarelas, borrelhos, pilritos-das-praias
- que andavam por ali e se retiravam.
O maçarico observava-os cuidadosamente, pois algures na tundra imensa deveria
haver companheiros seus.
Comiam
durante todo o dia, e só ocasionalmente faziam uma pausa para descanso. Quando
chegava a escuridão, voavam de novo. Durante a subida era frouxa a coesão
dentro do bando. Mas, logo que ganhavam altura, faziam rapidamente a sua
formação em cunha, graças à qual a raiz da asa de cada ave era sustentada pelo
turbilhão da asa precedente. O maçarico assumiu o comando e as tarambolas
cerraram formação atrás dele, com elegância e leveza, como se tivessem treinado
longamente a manobra. Elas não tinham escolhido conscientemente um chefe. Este
tinha que se esforçar particularmente para vencer a resistência do ar, e para
obter impulso ascencional e velocidade. Uma vez que o maçarico era o voador
mais forte, o resto do bando colocou-se atrás dele. E as tarambolas organizaram
a sua formação tão espontânea e automaticamente como respiravam.
Depois
de voarem algum tempo, as linhas escuras abaixo deles entrelaçaram-se num
verdadeiro tapete. Encontravam-se agora sobre os bosques de abetos, e a tundra
tinha ficado para trás. Outras narcejas voavam directamente para sul, na direcção
dos planaltos, mas o maçarico conduziu o bando para Sueste, em busca dos
arandos do Lavrador. Ocasionalmente entregou a chefia a uma tarambola, e tomou
posição no meio da formação. Mas, após um curto repouso, retomou o lugar
inicial.
O CORREDOR DA MORTE
SESSÕES DA
ACADEMIA DAS CIÊNCIAS
NATURAIS
DE
FILADÉLFIA - 1861
13
de Agosto. Presidência do Dr. Leidy, com a presença de nove membros. Foram
apresentados os seguintes artigos para divulgação: Robert Kennicott, “Sobre
três novas formas de cobra cascavel”; Elliott Coues, “Notas sobre a ornitologia
do Lavrador”...
Um
extraordinário número de maçaricos-esquimós chegou à costa do Lavrador, vindo
dos locais de nidificação situados a Norte. Estas aves voam muito rapidamente,
em bandos enormes, contando muitas vezes vários milhares de exemplares... Eu
próprio pude observar uma espantosa ilustração da persistência com que se agarram
a determinados locais de alimentação, mesmo quando severamente molestados. A
maré alta ia alagando uma zona pantanosa com cerca de um acre de extensão, onde
abundavam os caracóis que eles tanto apreciam. Embora ali estivessem cinco ou
seis caçadores, que de todos os lados disparavam incessantemente contra as
pobres aves, elas continuavam a circular sobre nós, confundidas e excitadas,
apesar de muitas delas irem sendo atingidas e caírem ao solo. Pareciam muito
preocupadas com a possibilidade de os caracóis, seu petisco habitual, lhes
poderem escapar...
Por
determinação da comissão editorial e bibliotecária, são divulgadas as seguintes
sessões da Sociedade de História Natural de Boston, de 1906/1907...
Comunicação
n° 7 - Dr. Méd. Charles W. Townsend e Glover M. Allen, “As aves do Lavrador”...
Numenius borealis (Forster), maçarico-esquimó. Um hóspede de Outono no Lavrador,
antigamente muito abundante, hoje muito raro.
Vem
Agosto e tu estás à beira-mar
Mil
belos maçaricos chegam todos os dias.
Packard
escreve deste modo: “A 10 de Agosto de 1860 apareceram os maçaricos em bandos.
Vimos um que tinha bem um quilómetro e meio de comprimento e quase outro tanto
de largura. O barulho que faziam parecia às vezes o vento que zune no cordame
dum navio de mil toneladas...”.
Porém,
aquando da nossa visita à costa do Lavrador, no verão de 1906, já não vimos um
único maçarico-esquimó. Falámos com muitos habitantes daqui e todos concordaram
em que ele ficou de repente reduzido, sendo outrora muito disseminado. Agora,
no Outono, avistam-se apenas dois ou três, ou mesmo nenhum. O capitão Parsons,
do barco postal Virginia Lake, disse-nos que ainda havia muitos, aqui há 30
anos. Nesse tempo, antes do pequeno-almoço, abatia ele uma centena, chegando
mesmo a atingir vinte com um único tiro. Os pescadores dizimavam-nos aos
milhares... Tinham as espingardas preparadas nos pontões e atiravam aos bandos
que chegavam aqui, matando 20 ou 25 aves por cada tiro. Resumindo, podemos
dizer que os habitantes do Lavrador sempre perseguiram o maçarico-esquimó, mas
só entre 1888 e 1890 verificaram que os efectivos se tinham reduzido. A partir
de 1892, só um pequeno número destas aves, antigamente tão abundantes, visitou
a costa do Lavrador... Parece que esta espécie está em vias de extinção.
(Cont.)