"Embarquei no Vera Cruz no dia 25 de Abril de 1970, sem imaginar quanto a guerra iria mudar a minha vida. Um desgraçado que andou a dar a vida pela pátria - diziam que aquilo era nosso - e como eu tantos camaradas , com tantas outras histórias.Há milhares de ex-combatentes que nem sabem como estão cá hoje. Como eu, que fui por duas vezes retirado em estado de coma para o hospital durante a guerra, tanto que ainda hoje não sei como saí vivo do ultramar. Foi um milagre.
O primeiro episódio aconteceu logo no início da comissão, devia ter passado pouco mais de um mês da nossa chegada. O desastre foi perto da barragem de Cahora Bassa. Foram dar comigo lá no meio do monte, no capim, dizem que parecia morto. Ouviram-se tiros dentro e fora da picada e foi tudo pelo ar, por causa das minas. (...)
Nesse primeiro rebentamento parti a clavícula, a cana do nariz, os dentes, o pé direito em dois ou três sítios; ainda tenho estilhaços na rótula do joelho esquerdo, já o direito parecem dois joelhos por causa duma queda que dei. Foi quando me atirei duma Berliet abaixo para me safar, porque tinham começado a chover tiros. Fiquei com a coluna num oito e ainda hoje me doem os joelhos e o pé.
Em Dezembro de 1970 apanhei malária cerebral e pela segunda vez fui retirado. Antes de atacarmos uma base fui encher o cantil num charco, tal era a sede. Estive internado seis meses, num quarto sozinho, com duas garrafas de soro, uma de cada lado.(...)
Regressei no dia 21 ou 22 de Maio de 1972, uma pessoa completamente diferente daquela que fui. Quando cheguei fui trabalhar para um hotel em Albufeira. Uma vez houve lá uma festa dos pescadores em que começaram a mandar tiros. Eu mandei-me logo para o chão, foi pratos, vidros, tudo pelo ar. Era a guerra ainda atrás de mim. (...)