quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Lusitânia

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« (...) Uma outra inscrição, também beirã, encontrada no Cabeço das Fráguas (Guarda), pode igualmente ser considerada lusitana.

OILAM TREBOPALA INDI PORCOM LABBO COMAIAM ICONNA LOIMINNA OILAM USSEAM TREBARUNE INDI TAUROM IFADEN... REVE TRE...

«(Damos-te) esta ovelha, ó Trebopala, e (damos-te) este porco, ó Labbo! (Damos-te) esta comaia, ó Ioconna Loimina! (Damos-te) esta ovelha ussea, ó Trebarune, e (damos-te) este touro consagrado, ó Reve Tre[...]»

Esta inscrição constitui um dos mais importantes testemunhos da cultura pré-romana em território nacional. Este papel emblemático é-lhe conferido por vários aspectos. Antes de mais, pelo facto de se encontrar in situ, isto é, permanecer no seu local de origem, e, como no caso de Cabeço das Fráguas, acima mencionado, poder hoje ser vista e admirada, tal como contemplada pode ser a envolvente magnífica que se aprecia deste penedo, provavelmente muito semlhante à que, há milhares de anos, seria possível ver. A envolvente ampla e as cordilheiras que a rodeiam, como a Serra da Gardunha, a da Malcata e a da Serra da Estrela, constituem marcos determinantes da paisagem, decerto fundamentais e decisivos para a escolha do local onde esta inscrição foi gravada.
Com efeito, tudo indica que nos encontramos perante um santuário ao ar livre. Um local com uma carga simbólica e religiosa que motivou a gravação do penedo, o que igualmente se justificou pela particular situação geográfica do sítio.
Apesar deste local ser conhecido anteriormente, foi apenas com a intervenção do Instituto Arqueológico Alemão que se deu início a escavações na envolvente do local. Com esses trabalhos, que decorreram entre 2006 e 2009, foi possível confirmar a ocupação do sítio desde a Idade do Bronze, prolongando-se pela Idade do Ferro, o que corrobora a interpretação deste sítio corresponder a um santuário, de origens ancestrais, que ali terá permanecido após a invasão romana. Temos, deste modo, uma longa perduração na ocupação registada desde o séc. VIII a. C. até à ocupação romana.
Situações como esta são vulgares em todo o Império Romano, apanágio da sua administração que, desde cedo, percebeu que a assimilação dos novos deuses latinos apenas se poderia processar de forma lenta e sem que os antigos cultos fossem apagados do reportório religioso tradicional. Os deuses permaneciam, actualizando-se por vezes com novos atributos, ou assimilando outros das novas divindades latinas. Uma nova roupagem para antigos deuses, ou novos deuses para devoções antigas.
Mas a inscrição do Cabeço das Fráguas é inédita também por ser a única em língua pré-romana, que menciona um "suovetaurilia", isto é, uma cerimónia de sacrifício de três animais domésticos tradicionais: um porco, uma ovelha e um touro. Este tipo de ritual, que terá antes de mais um carácter apotropaico, com vista à protecção de um grupo, tribo ou clã que executa os sacrifícios, reveste-se igualmente de outras cerimónias que envolvem a população, e que se traduzem na lustratio ou lustrum, que significa andar à volta em redor de algo, um cerimonial que envolve uma espécie de catarse, de afastamento de demónios e de purificação dos participantes, a que toda a população se associa.
Esta cerimónia é profundamente pagã, e igualmente profundamente latina. O sacrifício de animais em Roma e a lustratio eram práticas comuns, e, a cada cinco anos, os censores executavam-nas como forma de purificar a cidade de Roma e de "refundar" a moral do +povo. (...)
[Viagem ao Passado Romano na Lusitânia, Lídia Fernandes, pág. 43/44).