quarta-feira, 13 de julho de 2016

O Falhas

Falhas terá, não sei quantas, se é historiador autodidacta. Ao fim da tarde encontro-o em Valflor, que ele prefere chamar Vale de Ladrões, à moda antiga. Sem mais delongas fala-me da deusa-mãe, de faraós, de hititas, de druídas, de etruscos e de romanos... E das três vilas patrícias que existiram nos Vilares, com anexos de cem colmos cada uma, onde viviam escravos que garimpavam o ouro. 
Muitos anos depois uns franciscanos ocuparam as três vilas e fundaram um convento, à sombra de Marialva. Até que o Mata-Frades encerrou aquilo tudo e os frades foram-se embora. Foi então que o povo do Carvalhal fez o que tinha a fazer. Trouxe para a igreja os caixotões do tecto, ainda hoje lá estão, e mais parecem a corte celestial.
O Falhas emigrou cedo, para Angola, andou por lá o seu quarto de século. E lá conheceu um dia o cónego da Sé, o Neves que era mulato. Um dia abeirou-se dele para lhe pedir um emprego. Mas o cónego desprezava os portugueses e mandou-o bugiar.
Depois a guerra começou nos Dembos, até que deu no que deu. E o Falhas regressou a Portugal, na ponte aérea de 75. 
Agora, já reformado, vive aqui. Faz licor de abrunhos bravos, figos e vinho do Porto. No Porto tem uma casa onde ficou a mulher, que não aprecia história e muito menos licores. O Falhas pouco se importa, que as hormonas já fraquejam.
À despedida oferece-me um licor. E insiste, com exemplos da Anatólia, que o elixir me garante os cento e vinte. Oxalá seja uma falha, do Falhas ou do licor!