É dia de negócios no mercado. Não serão lá grande coisa, já não é tempo de meter plantas à horta. Mas nem sempre a vida se faz de coisas grandes.
À esquina da Corredoura sobrevive a loja do Rosário. Ele já cá não anda há muito tempo, mas deixou o património e zeladoras fiéis que guardam o último século. Desde a placa esmaltada de correspondente dum banco, no tempo em que isso era um orgulho. São as mesmas as estantes que forram as paredes, e as prateleiras verdes desmaiadas, e os dossiers empilhados, e os caixotes de cartão que guardam nadas, e o balcão de madeira já roído. E as gavetas empenadas donde saem nastros e ourelas, e fitinhas de setim, cartas de agulhas inglesas e outras raridades. Até guardam as filhas do Rosário, que já foram jovens e viçosas.
Rua fora, as lojas não são tão velhas. Mas o negócio anda fraco, porque lhe falta a multidão de antanho. De antanho vem também esta embaixada de judeus sefarditas, que percorre estes lugares atrás dum guia de sotaque arrevesado. Os sefarditas vieram de Israel e andam a decifrar inscrições e sinais que aí deixaram. Há-de ser para se remirem dos crimes que hoje cometem na Palestina, porque a história é o que é.
Desse tempo é também a Corredoura, e não voltou a ter a animação que tinha. Foram os sefarditas que a fizeram, quando vieram para aqui expulsos de Castela. Antes daquele rebanho de crianças que andaram por esses montes (Herculano é quem o diz), a chorar pelos cabeços os pais delas, que a sagrada inquisição levou para as enxovias do Rossio. As crianças foram parar à ilha de S. Tomé. E os sobreviventes da fogueira fugiram para Amesterdão, para Constantinopla, a fazer por lá aquilo que sabiam, nos tempos da pimenta.
Mas lá para a tarde vou ter a minha desforra. Tenho na biblioteca o Luís Sepúlveda em carne e osso, o jovem guarda do palácio de Allende e o autor. Tenho que falar com ele sobre um Velho que Lia Romances de Amor, à beira dum rio grande.