«Veneza mobilizava secretamente o novo sultão do Egipto para a luta contra os portugueses, que estrangulavam a rota de Alexandria. Em 1505 chegou a Lisboa, vindo de Roma onde se avistara com o papa, frei Mauro, monge de Santa Catarina do Monte Sinai. Se o rei D. Manuel não desistisse, o sultão do Egipto ocuparia os Lugares Santos e proibiria as peregrinações e o culto cristão.
Em resposta ao apelo de frei Mauro, D. Manuel enviou embaixadores a Henrique VII de Inglaterra e a França, Flandres e Roma. Propunha-lhes uma nova Cruzada com destino a Alexandria, e daí para a Terra Santa. Pelo seu lado, os reis indianos e os mercadores mouros instavam o sultão do Egipto: levante uma armada no Suez. Juntos, expulsaremos os portugueses da Índia.
Quando frei Mauro chegou a Lisboa, já sétima esquadra, a de Francisco de Almeida, partira com 22 velas e 1500 homens de armas, "gente limpa", em que entravam muitos fidalgos e 400 moradores, registados nos livros do rei. D. Manuel delegava os seus poderes em Francisco de Almeida, que na Índia assumiria o título de vice-rei. O pessoal dirigente e militar ficava sujeito a três anos de serviço pago. Levavam madeira lavrada e acertada para na Índia montar duas galés e um bergantim. E ferro, breu, pregos, alcatrão, linho, lonas, panos de Vila do Conde, âncoras, fateixas, remos, armas e muita artilharia e munições. Em cada nau havia botica bem provida, barbeiro sangrador, mestre para curar e dois capelães para confessar.
(...) Embarcaram carpinteiros, calafates, ferreiros, cordoeiros e degredados que viam perdoada parte substancial dos degredos. Os cronistas esqueceram-se dos escravos.»
(Gaspar Correia, Lendas da Índia)
Na Esfera do Mundo, Vol.IV, António Borges Coelho
[Eis os interesses duma falsa elite aventureira que pintaram de epopeia, o serviço do Vaticano, os destroços dum cruzadismo medieval, e a cobiça da pimenta que há-de levar à ruína, com proveito de ingleses e holandeses.
Ao longe pairam as sombras funestas de Alcácer-Quibir, que um rei menor, fanatizado e débil irá desencadear. Não fora ele como foi, doutro modo qualquer haveria de ser. Inapelavelmente.
As elites passaram a Castela, foram comer à mão de Filipe II. E o povo de Portugal foi mais uma vez crucificado, num exercício que ainda hoje se repete. Pois quem não aprende com os erros do passado, passa a vida inteira a repeti-los.]