Estava ali na sala, em cima duma cómoda. Abria-se-lhe a tampa e logo aparecia um cão pintado. Parecia amarrado à frente dum funil, à espera de ordens do dono.
Um brasileiro que regressou à terra trouxera no porão a caixa mágica. E um dia, já cansado das modinhas dela, acabou por vendê-la.
Havia ocasiões, às tardes de domingo, em que os adultos ensaiavam um pé de dança. O pai ditava o compasso. Dava umas voltas numa manivela, enroscava a agulhinha de metal numa cabeça redonda, escolhia um disco preto e encaixava-o num prato que se punha a girar. E logo a caixinha mágica se desfazia em música.
O pai anunciava uma valsa, alguém lhe pedia um tango, às tantas lia no disco e falava duma java, uma habanera. Mas eu não distinguia uma coisa da outra, nem dava importância a isso. O que eu queria era saber onde as vozes se escondiam, lá por dentro da caixinha. Devia ser um homem bem pequeno, com uma boca muito aberta, um que aparecia a gritar em altas vozes, umas modas que ninguém apreciava. Tanto assim que não davam para dançar.
Só muitos anos depois é que vim a conhecê-lo. Era o Caruso, e também andara por Manaus, onde os donos da borracha construíram um teatro na floresta. Só para que ele, à vontade, abrisse a boca.