«(...) O cardeal D. Henrique morreu na noite de 31 de Janeiro de 1580. Tinha 68 anos. (...)
Filipe II tinha a certeza de que lhe não iam entregar o reino e começou a reunir soldados exercitados na guerra da Flandres. Mandou distribuir cartazes e promessas pelos grandes do reino. (...) Filipe escreveu aos procuradores reunidos em Cortes [Santarém]. Entregassem-lhe o reino em paz, senão tê-los-ia por rebeldes e como tal os castigaria. Escreveu também a D. António [prior do Crato, neto de D. Manuel, filho natural do infante D. Luís].
O prior do Crato só queria ser Defensor, mas o povo escolheu Rei. E nessa tarde a Câmara aclamou-o por toda a vila [Santarém] com muitas festas. (...)
Em Lisboa entrava gente a dar obediência a D. António e os populares organizavam a defesa. Os mais dos fidalgos estavam do lado de Castela, outros neutrais.Uns iam para o rei de Castela e deixavam cá o filho ou o pai com D. António. (...)
O duque de Alba vinha por terra com 40 mil homens de pé e de cavalo, e por mar o marquês de Santa Cruz avançava para Setúbal com 200 velas e navios de alto bordo. (...)
Nesse dia [3 de Agosto de 1580] o duque de Alba tomou a torre de Cascais e mandou enforcar no cadafalso o capitão D. Diogo de Meneses. Sintra entregou-se. Estavm lá os fidalgos com as mulheres. A 12 de Agosto entregou-se a fortaleza de São Julião da Barra. A 13, a armada castelhana veio ancorar entre a torre de Belém e a de Cascais. A armada portuguesa, composta por muitos e bons galeões, recuou. "Andava tudo vendido". D. António tirou os capitães. (...)
No dia 20 alguns turcos das galés castelhanas desertaram para D. António. Também se passaram alguns soldados italianos mas para o trair. Só o povo miúdo sustentava a lealdade e a defesa.
A 23 de Agosto entregaram-se a Torre de Belém e a Torre Velha. A 24 entrou toda a armada castelhana, de Belém para dentro, e fundeou na enseada para lá de Santo Amaro.
Nessa noite D. António lançou rebate mas ninguém acudiu. À meia noite desse dia os castelhanos avançaram em curva para a ponte de Alcântara. De manhã carregaram por todos os lados e puseram em fuga o exército de D. António. Muitos soldados morreram em combate e muitos mais quando encontraram as portas da cidade fechadas. (...)
A Câmara mandou levantar a bandeira branca e manteve as portas fechadas. (...) O duque de Alba e os capitães portugueses e castelhanos entraram com grande triunfo na cidade. Subiram ao convento de Nossa Senhora da Graça e revistaram-no: - Onde está esse judeu? (...)
No domingo, 28, entrou a armada da Índia e a do Brasil, de São Tomé e de Cabo Verde, que andavam a pairar à espera do resultado. "Assim terminou esta triste tragicomédia." *
* Pero Roiz Soares viveu todos estes acontecimentos. A sua narrativa é favorável a D. António, mas não o poupa. E o seu relato não contradiz a substância da investigação de Queiroz Velloso, assente em muita documentação do Arquivo de Simancas.