sábado, 22 de fevereiro de 2014

O último maçaricão-esquimó 17

(Cont.)
           O maçaricão voou alguns segundos na horizontal, e logo o andamento baixou. Teve que descer, para ganhar velocidade e outra vez altitude. Podia agora ver claramente o mar, onde as cristas brancas das ondas se erguiam da água escura. Às vezes uma vaga erguia-se tão alto, que só por um ou dois metros não atingia as aves em luta.
            Uma onda gigante elevou-se diante deles. O maçaricão venceu com esforço a inércia das asas e sobrevoou-a a custo. Mergulhou em seguida no leito da onda, esforçando-se por continuar em frente. A próxima crista era mais baixa, e ele ultrapassou-a com segurança. Mas atrás dele a grande vaga atacava, raivosa, as tarambolas. Três aves mais fracas lutaram em vão por ganhar altitude, e ficaram sem forças, penduradas no ar. Nenhum grito se ouviu. A vaga cresceu e engoliu as aves. Passou, e elas tinham desaparecido. A natureza, tão selectiva em todas as coisas, é ainda mais exigente quando se trata da morte. Os mais fracos não pedem compaixão, nem lhes é concedida misericórdia.
            O bando esforçou-se por continuar, voou rente à água, lutou encarniçadamente para ultrapassar as cristas das ondas. Gozou, para respirar, as pequenas pausas de segundos, no ar sossegado dos seus leitos. Então, de um longo talvegue cresceu uma muralha fervilhante, mais alta que todas as vagas anteriores. A espuma fustigou as asas do maçaricão. Durante segundos teve que lutar com os violentos turbilhões da corrente para se manter no ar. Mas a espuma varreu uma parte da neve que se lhe colara às asas. Por um minuto estas puderam mover-se no ar com toda a força. Depois a neve sobrecarregou-as de novo. Apenas a certeza de que a frente fria seria em breve ultrapassada fez o maçaricão aguentar.
            Muito lentamente o ar foi-se tornando mais quente, tão lentamente que mal se podia sentir a mudança. Então a neve transformou-se repentinamente em chuva. Estava ali a parede branca de neve diante deles, e após uma nova crista estalaram-lhes gotas de chuva nas penas. Alguns segundos depois já tinha derretido a neve das asas. O maçaricão conduziu o resto do bando subindo em frente. A dor e o cansaço depressa desapareceram, as aves podiam voar outra vez normalmente e os músculos repousaram. A neve desapareceu na escuridão. Uns minutos depois romperam a frente fria e atingiram uma zona húmida e tranquila.

                                              
O CORREDOR DA MORTE

            ... E por vezes, nas tempestades do Nordeste, bandos de maçaricões espantosamente numerosos eram empurrados pelo vento para as costas da Nova Inglaterra, onde pousavam completamente extenuados. A sua caça era então um exercício fácil, podendo simplesmente abater-se à cacetada. A Nantucket chegavam em bandos tão grandes que as reservas de munições da ilha não eram suficientes. E a carnificina parava, até chegarem munições da terra firme.
            Os atiradores chamavam-lhes “aves-massa”, pois no Outono os maçaricões eram tão gordos que o peito lhes rebentava quando caíam no chão, e a camada de gordura era macia como massa de pão. Não admira que fossem tão perseguidos, pois deviam ser um bom petisco à mesa.
            Eram mansos e confiantes, e voavam em bandos tão densos que podiam facilmente ser abatidos em grande número... Dois caçadores que forneciam o mercado em Massachussetts ganharam 300 dólares com os seus tiros a um único bando... Crianças vendiam as aves a 6 cêntimos por cabeça... Em 1882, em Nantucket, dois caçadores abateram numa manhã 87 maçaricões... Em 1894, no mercado de Boston, já só apareceu um único à venda.