(Cont.)
O maçaricão voou alguns segundos na horizontal, e logo o
andamento baixou. Teve que descer, para ganhar velocidade e outra vez altitude.
Podia agora ver claramente o mar, onde as cristas brancas das ondas se erguiam
da água escura. Às vezes uma vaga erguia-se tão alto, que só por um ou dois
metros não atingia as aves em luta.
Uma onda
gigante elevou-se diante deles. O maçaricão venceu com esforço a inércia das
asas e sobrevoou-a a custo. Mergulhou em seguida no leito da onda,
esforçando-se por continuar em frente. A próxima crista era mais baixa, e ele
ultrapassou-a com segurança. Mas atrás dele a grande vaga atacava, raivosa, as
tarambolas. Três aves mais fracas lutaram em vão por ganhar altitude, e ficaram
sem forças, penduradas no ar. Nenhum grito se ouviu. A vaga cresceu e engoliu
as aves. Passou, e elas tinham desaparecido. A natureza, tão selectiva em todas
as coisas, é ainda mais exigente quando se trata da morte. Os mais fracos não
pedem compaixão, nem lhes é concedida misericórdia.
O bando
esforçou-se por continuar, voou rente à água, lutou encarniçadamente para
ultrapassar as cristas das ondas. Gozou, para respirar, as pequenas pausas de
segundos, no ar sossegado dos seus leitos. Então, de um longo talvegue cresceu
uma muralha fervilhante, mais alta que todas as vagas anteriores. A espuma
fustigou as asas do maçaricão. Durante segundos teve que lutar com os violentos
turbilhões da corrente para se manter no ar. Mas a espuma varreu uma parte da
neve que se lhe colara às asas. Por um minuto estas puderam mover-se no ar com
toda a força. Depois a neve sobrecarregou-as de novo. Apenas a certeza de que a
frente fria seria em breve ultrapassada fez o maçaricão aguentar.
Muito
lentamente o ar foi-se tornando mais quente, tão lentamente que mal se podia
sentir a mudança. Então a neve transformou-se repentinamente em chuva. Estava
ali a parede branca de neve diante deles, e após uma nova crista estalaram-lhes
gotas de chuva nas penas. Alguns segundos depois já tinha derretido a neve das
asas. O maçaricão conduziu o resto do bando subindo em frente. A dor e o
cansaço depressa desapareceram, as aves podiam voar outra vez normalmente e os
músculos repousaram. A neve desapareceu na escuridão. Uns minutos depois
romperam a frente fria e atingiram uma zona húmida e tranquila.
O CORREDOR DA MORTE
...
E por vezes, nas tempestades do Nordeste, bandos de maçaricões espantosamente
numerosos eram empurrados pelo vento para as costas da Nova Inglaterra, onde
pousavam completamente extenuados. A sua caça era então um exercício fácil,
podendo simplesmente abater-se à cacetada. A Nantucket chegavam em bandos tão grandes
que as reservas de munições da ilha não eram suficientes. E a carnificina
parava, até chegarem munições da terra firme.
Os
atiradores chamavam-lhes “aves-massa”, pois no Outono os maçaricões eram tão
gordos que o peito lhes rebentava quando caíam no chão, e a camada de gordura
era macia como massa de pão. Não admira que fossem tão perseguidos, pois deviam
ser um bom petisco à mesa.
Eram
mansos e confiantes, e voavam em bandos tão densos que podiam facilmente ser
abatidos em grande número... Dois caçadores que forneciam o mercado em
Massachussetts ganharam 300 dólares com os seus tiros a um único bando...
Crianças vendiam as aves a 6 cêntimos por cabeça... Em 1882, em Nantucket, dois
caçadores abateram numa manhã 87 maçaricões... Em 1894, no mercado de Boston,
já só apareceu um único à venda.