(Cont.)
Pela manhã, a tundra lá em baixo não era já tão cinzenta
e monótona. Manchas escuras e sinuosas atravessavam o terreno. Desde o cair da
noite, as aves tinham deixado para trás seiscentos quilómetros, e agora
aproximavam-se da fronteira dos bosques subárcticos de abetos. Os
prolongamentos escuros que penetravam na tundra eram vales de rios florestados.
Estes vales protegiam os pequenos abetos das tempestades de neve, e
permitiam-lhes sobreviver. Aos primeiros alvores da manhã, as aves desceram na
zona pantanosa de um lago. Repousaram por uns momentos e começaram a comer logo
que a manhã clareou.
Com as
suas pernas altas e o bico encurvado, o maçaricão sobressaía claramente no meio
das tarambolas, que tinham penas mais escuras e bicos mais curtos. Sendo
concorrentes e inimigas na reserva, as duas espécies migravam em conjunto há
inúmeras gerações, e aqui misturavam-se como iguais. Chegavam outras narcejas -
pernas-amarelas, borrelhos, pilritos-das-praias
- que andavam por ali e se retiravam.
O maçaricão observava-os cuidadosamente, pois algures na tundra imensa deveria
haver companheiros seus.
Comiam
durante todo o dia, e só ocasionalmente faziam uma pausa para descanso. Quando
chegava a escuridão, voavam de novo. Durante a subida era frouxa a coesão
dentro do bando. Mas, logo que ganhavam altura, faziam rapidamente a sua
formação em cunha, graças à qual a raiz da asa de cada ave era sustentada pelo
turbilhão da asa precedente. O maçaricão assumiu o comando e as tarambolas
cerraram formação atrás dele, com elegância e leveza, como se tivessem treinado
longamente a manobra. Elas não tinham escolhido conscientemente um chefe. Este
tinha que se esforçar particularmente para vencer a resistência do ar, e para
obter impulso ascencional e velocidade. Uma vez que o maçaricão era o voador
mais forte, o resto do bando colocou-se atrás dele. E as tarambolas organizaram
a sua formação tão espontânea e automaticamente como respiravam.
Depois
de voarem algum tempo, as linhas escuras abaixo deles entrelaçaram-se num
verdadeiro tapete. Encontravam-se agora sobre os bosques de abetos, e a tundra
tinha ficado para trás. Outras narcejas voavam directamente para sul, na
direcção dos planaltos, mas o maçaricão conduziu o bando para Sueste, em busca
dos arandos do Lavrador. Ocasionalmente entregou a chefia a uma tarambola, e
tomou posição no meio da formação. Mas, após um curto repouso, retomou o lugar
inicial.
O CORREDOR DA MORTE
SESSÕES DA
ACADEMIA DAS CIÊNCIAS
NATURAIS
DE
FILADÉLFIA - 1861
13
de Agosto. Presidência do Dr. Leidy, com a presença de nove membros. Foram
apresentados os seguintes artigos para divulgação: Robert Kennicott, “Sobre
três novas formas de cobra cascavel”; Elliott Coues, “Notas sobre a ornitologia
do Lavrador”...
Um
extraordinário número de maçaricões-esquimós chegou à costa do Lavrador, vindo
dos locais de nidificação situados a Norte. Estas aves voam muito rapidamente,
em bandos enormes, contando muitas vezes vários milhares de exemplares... Eu
próprio pude observar uma espantosa ilustração da persistência com que se
agarram a determinados locais de alimentação, mesmo quando severamente
molestados. A maré alta ia alagando uma zona pantanosa com cerca de um acre de
extensão, onde abundavam os caracóis que eles tanto apreciam. Embora ali
estivessem cinco ou seis caçadores, que de todos os lados disparavam
incessantemente contra as pobres aves, elas continuavam a circular sobre nós,
confundidas e excitadas, apesar de muitas delas irem sendo atingidas e caírem
ao solo. Pareciam muito preocupadas com a possibilidade de os caracóis, seu
petisco habitual, lhes poderem escapar...
Por
determinação da comissão editorial e bibliotecária, são divulgadas as seguintes
sessões da Sociedade de História Natural de Boston, de 1906/1907...
Comunicação
n° 7 - Dr. Méd. Charles W. Townsend e Glover M. Allen, “As aves do Lavrador”...
Numenius borealis (Forster), maçaricão-esquimó. Um hóspede de Outono no
Lavrador, antigamente muito abundante, hoje muito raro.
Vem
Agosto e tu estás à beira-mar
Mil
belos maçaricões chegam todos os dias.
Packard
escreve deste modo: “A 10 de Agosto de 1860 apareceram os maçaricões em bandos.
Vimos um que tinha bem um quilómetro e meio de comprimento e quase outro tanto
de largura. O barulho que faziam parecia às vezes o vento que zune no cordame
dum navio de mil toneladas...”.
Porém,
aquando da nossa visita à costa do Lavrador, no verão de 1906, já não vimos um
único maçaricão-esquimó. Falámos com muitos habitantes daqui e todos
concordaram em que ele ficou de repente reduzido, sendo outrora muito
disseminado. Agora, no Outono, avistam-se apenas dois ou três, ou mesmo nenhum.
O capitão Parsons, do barco postal Virginia Lake, disse-nos que ainda havia
muitos, aqui há 30 anos. Nesse tempo, antes do pequeno-almoço, abatia ele uma
centena, chegando mesmo a atingir vinte com um único tiro. Os pescadores
dizimavam-nos aos milhares... Tinham as espingardas preparadas nos pontões e
atiravam aos bandos que chegavam aqui, matando 20 ou 25 aves por cada tiro.
Resumindo, podemos dizer que os habitantes do Lavrador sempre perseguiram o
maçaricão-esquimó, mas só entre 1888 e 1890 verificaram que os efectivos se
tinham reduzido. A partir de 1892, só um pequeno número destas aves,
antigamente tão abundantes, visitou a costa do Lavrador... Parece que esta
espécie está em vias de extinção.