(Cont.)
As aves levantaram voo, ganharam altura e cerraram a
formação, com o maçaricão à cabeça. Tudo aconteceu com a precisão habitual,
dir-se-ia quase automática. Ele e muitas tarambolas já tinham alguma vez
superado este sobrevoo outonal do oceano, mas guardavam disso apenas uma vaga
lembrança. A maior parte ficou confusa quando, de manhã, só mar deserto e vazio
se estendia por baixo deles. Mas continuariam a voar sempre em frente, passaria
mais uma noite e uma manhã, e debaixo deles estender-se-ia ainda o mesmo mar.
As aves sabiam que ele era um elemento hostil, só em terra e no ar se sentiam à
vontade. Mas quando não havia agitação no mar e excepcionalmente a água estava
calma, poisavam algum tempo na superfície líquida e permitiam-se uns momentos
de descanso. Porém, nadavam muito desajeitadamente. As suas penas não eram
suficientemente gordurosas e encharcavam-se rapidamente. No alto mar raramente
havia condições que permitissem poisar, mesmo momentaneamente. Por norma tinham
que realizar o longo voo sem qualquer pausa, sem alimento e sem descanso.
A luz
calorosa do Norte brilhava ainda atrás deles, no céu do Lavrador. Mas apenas
voltariam a ver terra quando poisassem na margem de um rio, na selva húmida da
Guiana ou da Venezuela, com as penas desgrenhadas e os músculos entorpecidos de
cansaço. No entanto, ao levantar voo, fizeram-no sem hesitação nem medo. Não
reconheciam o dramatismo do momento, sentindo apenas um vago alívio por terem
finalmente iniciado a viagem. Era uma bênção que os seus pequenos cérebros não
pudessem abarcar a nua realidade. Criaturas minúsculas como eram, simples
matéria aprisionada pela terra, desafiavam, mesmo assim, o mar e o céu imensos.
O CORREDOR
DA MORTE
Para
incrementar e divulgar o conhecimento humano. Instituto Smithsoniano,
Washington. Relatório anual da comissão de vigilância, sobre o ano que finda em
30 de Junho de 1915...
Durante
os meses de Agosto e Setembro, muitos anos ainda após meados do séc. XIX,
chegavam à Terra Nova e às ilhas da Madalena, no golfo de São Lourenço, milhões
de maçaricões-esquimós, que obscureciam o céu... Grupos de 25 e 30 homens
abatiam num único dia duas mil aves, que iam para a feitoria da Companhia da
baía do Hudson, em Cartwright, no Lavrador.
Os
pescadores costumavam salgar estas aves em barricas. À noite, quando dormiam
nas escarpas da costa em grande número, homens equipados de lanternas para as
encandear podiam aproximar-se delas e abatê-las em massa, à cacetada.