Dito assim parece uma charada. Mas depois o mestre Xico esclareceu como é que um servo-freio em pré-falência provoca estes enigmas.
Existe aqui um triângulo virtuoso: eu que não dispenso o carro que não troco por nenhum, o carro nas mãos do mestre que lhe garante a saúde, e o mestre Xico a depender de mim, o mais assíduo cliente.
A viatura tem trinta e tal anos, e canta hoje no mesmo diapasão com que saiu da linha de montagem. Fez as campanhas da Rússia e ainda as voltava a fazer, com perdão da indecência da palavra. Não tem arcas encoiradas, nem mistérios electrónicos, abre-se uma tampa e fica-se encantado a olhar para aquilo tudo.
Metade de quanto sabe o mestre Xico já nasceu com ele, que é um génio natural. A outra metade aprendeu-a na vida e na oficina. Há muitos anos foi trabalhar para Luanda, onde o dinheiro corria e a vida era outra coisa. Foi lá que criou os filhos e aprendeu o resto que faltava. Não percebe nada de algoritmos, nem estudou resistência dos materiais, mas deixou várias vezes em silêncio os casmurros engenheiros alemães.
Regressou a Portugal quando teve que ser. Deixou para trás o que tinha e silenciou no peito esta amargura sem ódio, que ainda hoje aflora nas conversas que temos sobre o mundo. Mestre Xico tem a coragem dos ingénuos e a força dos humildes. E foi isso que o salvou. Construiu uma casa para viver, montou esta oficina e começou outra vez. Sabe tudo sobre os carros antigos, não há enigma que ele não resolva. Dá gosto vê-lo desmontar um vedante ressequido duma bomba de água com ferramentas que ele próprio inventou, ou abrir a tampa dum motor e afinar-lhe as válvulas com um chaveiro de linguetas que já não existem.
Agora os carros antigos começam a rarear, e os mais modernos trazem no ventre enigmas electrónicos, que só lá vão com bancadas de que ele não dispõe. O mundo está tão mudado que um dia destes vai ceder o triângulo virtuoso. Por que ponta é que ainda falta saber.
Regressou a Portugal quando teve que ser. Deixou para trás o que tinha e silenciou no peito esta amargura sem ódio, que ainda hoje aflora nas conversas que temos sobre o mundo. Mestre Xico tem a coragem dos ingénuos e a força dos humildes. E foi isso que o salvou. Construiu uma casa para viver, montou esta oficina e começou outra vez. Sabe tudo sobre os carros antigos, não há enigma que ele não resolva. Dá gosto vê-lo desmontar um vedante ressequido duma bomba de água com ferramentas que ele próprio inventou, ou abrir a tampa dum motor e afinar-lhe as válvulas com um chaveiro de linguetas que já não existem.
Agora os carros antigos começam a rarear, e os mais modernos trazem no ventre enigmas electrónicos, que só lá vão com bancadas de que ele não dispõe. O mundo está tão mudado que um dia destes vai ceder o triângulo virtuoso. Por que ponta é que ainda falta saber.