Há uma avó e uma neta que há-de ter um fim funesto, e um pastor alentejano, e uma miss Whittemore que dorme dentro da carcaça dum cachalote e tem lá em casa um sábio hindu e um feiticeiro yorubá para ilustração etico-filosófica, e um professor Borja que pinta nos muros da inglesa uns versos epicuristas de Diógenes de Oenoanda, e um sargento da guarda que ainda não desistiu de o apanhar em flagrante. Assim se desenha um mundo que é todo fruto duma fecunda imaginação criativa.
A narrativa é fragmentária, evoluindo ao sabor das peripécias. O discurso é seco e descarnado, expressionista se diria, condimentado por um sarcasmo impenitente, e pontuado por frequentes reflexões (sobre o budismo, o Eu, a identidade, o ADN, o sistema imunológico...).
Pena só que na viagem da velha Antónia a Jerusalém, uma cidade santa improvisada num cenário, se faça uso dum avião que já foi bar à entrada de Lisboa. Um tal plebeísmo narrativo não fazia falta nem era indispensável. Tudo o resto se recomenda vivamente.
"- Ninguém sabe, caros Jesus Cristo e seus apóstolos, por que razão o homem se sedentarizou, já que está provado que ser nómada dá muito menos trabalho. Então porque sucedeu esta mudança radical? Muito simples, vou explicar-vos, queridos apóstolos e Nosso Senhor: foi a cerveja. Para ter cerveja era preciso cultivar. E assim nasceu a sociedade como a conhecemos. Graças à cerveja, temos hospitais e bibliotecas. Não existiriam livros se não fosse a cerveja. Não existiriam escritores nem ciência. Os nómadas não têm prisões nem conhecem o castigo, mas por outro lado não têm bibliotecas. Os nómadas não têm nada disto, porque andam dum lado para o outro e as prisões não podem ser transportadas, tal como as tipografias e os hospitais e as livrarias. E tudo isso se deve ao facto de alguns povos terem querido beber cerveja e, para isso, precisarem de se sedentarizar. No tempo de Cristo, no vosso tempo, andavam todos a beber cerveja. (...) O que se bebia no espaço geográfico em que Cristo habitava era cerveja. O vinho era uma bebida de romanos, dos invasores. Cristo não ia beber a bebida dos ricos, dos opressores, como a inglesa que nos governa, mas a dos pobres, das putas e dos pecadores. (...)".