segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Subprime

No que vieram a dar as montagens dos criativos financeiros de Wall Street e da City, é hoje uma história bastamente conhecida. No que darão as instalações dos inventores da arte contemporânea, ainda é cedo para o saber.
Umas e outras são processos fenomenais do mesmo jardim das delícias, em versão popular e pós-moderna. E têm em comum algumas características: a volatilidade, a efemeridade, a irracionalidade, a irrealidade. E ainda a provocação.
A aritmética dos dividendos do sistema financeiro só existia no discurso dos relatórios que os gestores elaboravam. E dum modo semelhante, no universo da arte contemporânea, o que existe não é o que os olhos vêem, lixo tóxico. O que existe é aquilo que os criativos nos dizem que lá está. Nosso é o papel de aceitar o discurso dos farsantes, único preço a pagar (e é bem barato!) para sermos cultos, modernos, dotados de sensibilidade estética, donos de substância cultural e apreciadores de arte.
Antigamente esse estatuto custava mais trabalho, muito mais. Agora, nos tempos da pós-modernidade e da cultura de massas, chega-se lá num ai. Nem faz falta saber ler, porque o discurso é hermético. Basta ir ali a Serralves, assumir o indispensável ar bovino, e passear pel' A Colecção.
- O verdadeiro artista é uma assombrosa fonte luminosa! O verdadeiro artista é uma maravilhosa fonte luminosa!
Uma voz masculina, alternando com uma voz feminina, repete incansavelmente num ecrã, com sotaque brasileiro que fica mais barato, a jaculatória salvífica. E uma criança, talvez farta de os ouvir, ousa a pergunta fatal:
- Isto é a arte, ó mãe?!
A mãe não respondeu nada. E eu tive pena de não ter trazido a faca do Palaçoulo, cravada ali em Zurique, num mapa da Michelin colado numa parede. Faz-me falta na cozinha, e sempre me justificava a espórtula.