quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O Preto da mala

O velho já tinha setenta anos quando resolveu tirar a carta. Morava ali numa aldeia da Lapa e fazia-lhe falta a camioneta, para as andanças quotidianas. Mas decorar os sinais, fazer exames do código, e adequar os calcanhares trôpegos ao jogo das embraiagens metia-lhe confusão.
Um dia encontrou no mercado um vago primo, que vendia máquinas agrícolas e carros enferrujados. Tirou conselho com ele, pois conheceria o ramo, e em boa hora o fez. Acabou por alugar um quarto numa pensão de Tábua, lá para cascos de rolha, mas valeu a pena o sacrifício. Tirou a carta num ai.
Isto foi há vinte anos, muito antes de se falar num deputado que tinha uma escola de condução, e andou por Tábua com uma mala de dinheiro, para financiar o partido. Esse mesmo que a justiça fareja há sete anos, por várias escroquerias. Um tal que foi à polícia para um teste de caligrafia, de braço enrolado em gesso por um cunhado que é médico, e não achou melhor jeito para o curar da diarreia. O pobre homem confessou que nunca vira tanta dinheirama junta. E o partido, que é honrado e patriota e se rege pela verdade, e mais a dona Manuela, que é uma mulher muito séria, e sabe o que a vida custa, e é amiga do seu amigo, reservaram-lhe um bom lugar na lista das eleições.
Este desconchavo todo trouxe-me à lembrança a peripécia. E ajudou-me a perceber porque é que o meu país é como é.