terça-feira, 29 de setembro de 2009

Portugalmente (63)

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Lá segue, entre fogos, pela estrada da Meda. E dizer fogos é só um bem de falar, que já se vai tornando cansativo. A encosta da direita é uma mancha de carvões recentes, e a da esquerda um espinhaço de fraguedos, que os incêndios mais antigos deixaram a descoberto. Ficou este mar ondulante de barrocos que o viajante segue pela margem, e o vai acompanhando até Moreira de Rei.
Nestes prados da quinta dos Cavalos não há cavalos nenhuns. Só João vai caminhando pela berma da estrada e o viajante pára ao lado dele. Não sendo velho é uma figura antiga, delida pelo tempo, ou pela vida. E há nele uma servitude primitiva que este viajante já julgava extinta. De manhã tirou-se de cuidados e foi à vila ao médico espanhol, à boleia dum vizinho. Em breve se despachou e agora não há transportes, não tem remédio senão voltar a pé. Tem a mãe à espera em casa, já muito velha, e ainda mais achacada do que ele. Há mais irmãos, mas desgarraram todos, depois que voltaram de Angola. Foram para lá quando eram pequenos, cresceram nos colonatos do Cunene. Havia o gado, e aquelas terras grandes... Agora o que lhe vale é o rendimento mínimo.
Quando o carro estaca no largo, João ainda não se convenceu de que o viajante parou na estrada e o trouxe para casa. O que lhe vale é o rendimento mínimo. E ao vê-lo assim, a afastar-se cabisbaixo, fica a pensar o viajante que deu boleia a um símbolo de alguma coisa maior.
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