quinta-feira, 18 de maio de 2017

Psicopatas

" (...) A moderna psicanálise permite-nos compreender, em certa medida, as perigosas consequências do instinto de domínio. O europeu degenera facilmente nos domínios tropicais.
É incontestável que entre os milhares de jovens europeus que partem todos os anos para servirem como administradores, agrónomos, organizadores e feitores se encontra uma pequena minoria de idealistas, que prestam real auxílio à população nativa. Mas poucos são capazes de subtrair-se à influência desmoralizadora do meio em que se acham. Raros resistem à terrível tentação dos poderes quase ilimitados de que o homem branco desfruta ali.
Além disso, em vez de melhorar, o nível intelectual e moral dos homens que vão para as colónias baixa constantemente, porque um número sempre maior é exigido. Observadores conscienciosos do sistema colonial africano (...) anotaram o facto de que uma alta percentagem dos guardas das plantações perdem o seu equilíbrio mental. Sob a influência da solidão, do tédio, do álcool, de condições sexuais e sociais anormais, eles transformam-se em psicopatas. O mesmo se dá com as tropas. Toda essa gente tem propensão para vingar-se dos seus padecimentos mentais em pobres criaturas indefesas. As vítimas não ousam queixar-se.
A raça dominante, os exércitos coloniais e as companhias de exploração são uma só coisa: trabalham de mãos dadas. Não há meio de escapar-lhes. Nenhum meio, excepto um gigantesco S. Bartolomeu, isto é, uma matança de todos os brancos.(...)
O homem branco, ao destruir o sossego mental do indígena, matou o seu próprio. Ambos são acossados pelo medo. (...).
A nossa expedição foi à África recolher danças e canções, porque os indígenas dançam e cantam cada vez menos. A arte nativa vai desaparecendo. A escultura em madeira tornou-se tão rara que conseguimos com dificuldade poucos espécimens. (...) A cobiça está transformando um continente inteiro num mundo de sangue e de lagrimas".
[Estes Dias Tumultuosos, Ed. Livros do Brasil, Lisboa, 1946]