Tou como dizia o outro: eu não acredito em bruxas, pero que las hay... E se isto não era um mau presságio, mais parece. Há muitos anos hesitou até ao último minuto, no dia do casamento. Chegou atrasada igreja, deixando o noivo à espera.
Não dispensava, mais tarde, os encontros de médiuns. Os crentes reuniam-se em volta duma mesa, punham o prato a rodar... e o ladrão movimentava-se. Não sei se eles viam quem estava no outro mundo, se falavam com o além. Mas que o prato se movia...
Depois de ter regressado do primeiro exílio, sem ela eu teria naufragado. Nunca fui um proletário, não sabia manter-me sem trabalho, sem profissão, sem família, e reconstruir a vida ao mesmo tempo. Nunca a tinha conhecido, mas sem ela não ia lá das canetas. Foi o que terão pensado uns amigos comuns, que se davam com ela e nos ligaram.
Fui viver para casa dela, seguindo o que há anos era a sua prática, a determinações do comité central. Dava albergue passageiro a amigos políticos, muitos deles eram pretos africanos que em Lisboa necessitavam de apoio.
Comigo foram diferentes as coisas, quantas vezes acontece a realidade impor os seus direitos. Foi assim que ela criou aquela paixão por mim, e um dia deixou expresso: se não vieres a ser meu, não haverá mulher na tua vida. Porém eu nunca pude ultrapassar a diferença de idades.
Não havia problema que nas mãos dela não tivesse solução. Porque trabalhava em rede, em qualquer ponto do país parecia ter apoios eficazes. O exemplo mais flagrante, intrusivo e doloroso foi logo que eu quis organizar a minha vida no Norte. Montou um sistema organizado de destruição da mulher que eu conhecera, e sabia muito bem as nossas fragilidades.
A mim poupava-me sempre, mas foi impiedosa para ela. Para o que ela não fazia, lá estava o bruxo encartado: contratava marafonas que faziam escândalos na rua a achincalhá-la, encomendava serviços a ciganada... e a pobre da rapariga claudicou. Acabou por cair no único refúgio duma igreja marginal, que trocava diáconos por rituais e dízimos. E o resto da vida que ambos fizemos, encurralados entre a angústia, a dúvida e o medo, acabou por afastar-nos.
Já o primeiro exemplo fora uma namorada que tive em Berlim e era fotógrafa. Tinha ela um projecto para realizar e um salário para o fazer. Consistia em fixar em imagens as mudanças intensas que a Alemanha tinha em curso com a unificação. Ela saía, instalava o aparato técnico nas fábricas, fazia os preparativos. E no momento de disparar a máquina, claudicava. Eu não podia entender um tal fenómeno, acabei por abandonar o campo de batalha e voltei a Portugal.
Embora contrariado, hoje estou só. Mas também ela já não tem a energia antiga, nem a rede de influências, nem os poderes que isso gera. Por certo se sente condenada e frágil, isso há-de tirar-lhe o sono. Mas porém, cá se fazem...