"O MÁGICO ENCANIZADO
- Então que é que você quer que eu faça? - retorquiu zangado o Samuel. - Naturalmente pensa que posso mesmo fabricar coelhos, não?
- Mas, ó Sam, isso de só tirar caramelos e chaves velhas do chapéu , não dá nada. Ninguém acredita, que diabo! Um caramelo, uma chave, ora bolas, então que magia é essa?
-E você paga o coelho? E olha que o coelho, às vezes, até sai correndo que ninguém mais o apanha.
Fizemos um acordo. Eu fornecia os coelhos, as fitas coloridas, até mesmo as bandeiras patrióticas, tudo o que fosse necessário para surdir do chapéu. Depois era com o Samuel isso do espanto popular.
E deu resultado. Lá íamos.
O Sam esmerava-se, saía tudo daquele chapéu magnífico e tubular. A mulher dele, em cuecas e um sutien americano, dava o apoio conveniente e as crianças funcionavam, trazendo a mesa de pés dourados e o saco preto dos mistérios e pasmos.
Mas houve certa altura em que verifiquei, com alguma reserva, que embora as fitas, as bandeiras das pátrias e até os caramelos e as chaves continuassem a sair em abundância, coelhos nenhum.
Deixei seguir, porque a assistência lá ia aplaudindo e eu também tinha o meu número com aquela bendita onça que só me dava dores de cabeça e arranhões razoáveis. Deixei seguir mesmo.
E de coelhos nada.
Foi então que notei que as crianças do Sam tinham um aspecto muito saudável e anafado.
Quando a onça resolveu ficar mais bonitinha e deixou de me dar ralações, achei que era altura de inquirir.
- Vamos lá saber, ó Sam. Estou pagando coelho e mais coelho, todos os que você pede e, nestes últimos dias, não tenho visto surdir nenhum desse chapéu desgraçado. Que diabo anda você fazendo com eles?
E, ostensivamente, mirei os três filhos do mágico que, rechonchudos, pasmavam para a nossa conversa.
O Samuel não gostou. Achou abuso.
- O número agrada ou não? - retorquiu, enfezado.
- Bem, não se trata disso. O que é preciso é fazer sair coisas graúdas do chapéu, coisa que pareça que não cabem lá, coelhos, por exemplo.
- Se o caso é esse, de coisas graúdas, não se preocupe você com os coelhos. Não se preocupe, é o que digo, que hoje à noite vai ver.
E afastou-se, encanizado.
À noite a função correu como de costume. O trapézio funcionou certo. a minha onça não me arranhou excessivamente, os palhaços esbofetearam-se com a dignidade devida e chegou o número do Sam.
Começaram a sair as fitas e as bolas. Aplausos. Vieram os caramelos atirados p+ara a assistência. Mais aplausos, o chapéu parecia inesgotável. E então, ó coisa inaudita, primeiro um, depois outro, finalmente o terceiro, os três filhos do Sam, sorridentes e saudáveis, saíram também, lentamente, com extrema precisão, daquele chapéu alucinante."