sexta-feira, 16 de maio de 2008

Escritor?

Enquanto profissão, é muito raro que passe dum equívoco. O que existe são autores de algumas obras em que um dia tropeçamos, e nos surpreendem, e trazem à nossa vida algo de novo, em conteúdos ou formas que vale a pena ler.
Um carpinteiro pode fazer cadeiras indefinidamente, do ponto em que disponha de madeiras, de pregos, e dum mercado que lhes dê utilidade. Não creio que um escritor o possa ser de modo semelhante. Por força há um limite para a sua criatividade, uma fronteira para a inovação. E a partir daí já não há arte. Haverá rotinas burocráticas, explorações de imagem, repetições do já visto, modos de passar o tempo quotidiano. Haverá produtos de mercado, ou no limite objectos culturais, que nos enfeitam o espaço das vidas. Mas já deixou de haver literatura que nos surpreenda, e nos traga um prazer estético novo, e nos ofereça ensinamentos renovados, e mereça a nossa atenção.
Incomoda o ruído frenético de tantas palavras que há no mundo, sem que por isso haja nele mais verdade, mais beleza ou mais sabedoria. Assusta, como a enxurrada. É por isso que me bastam, da forja dos escritores, as que chamo "obras de culto". As mais das vezes restritas, se não mesmo ignoradas pelas multidões, vivem por aí refugiadas e guardam-se lá em casa. Quando voltamos a elas, têm sempre algo de novo para dizer.
Literatura e mercado são coisas muito diferentes, e não raro dão-se mal. A primeira há-de lograr comover-nos, dar-nos vida, ou simplesmente alegrar-nos. O segundo apenas nos agita, quando nos não defrauda.