terça-feira, 13 de maio de 2008

O tal NAL

Com vénia ao dr. Luís Queirós, presidente do grupo Marktest e da Fundação Vox Populi.

O NOVO AEROPORTO DE LISBOA E O PREÇO DO PETRÓLEO

Com o preço do barril de petróleo (WTI) a roçar os 120 dólares na Bolsa de Matérias-Primas de Nova Iorque, é urgente que se revejam os cenários e os custos - feitos num pressuposto de energia abundante e barata - que estiveram na base da decisão de construir Alcochete.
O sector do transporte aéreo tem crescido muito acima da economia global. De acordo com dados apresentados pelo comandante Cristopher Smith, da British Airways, nos últimos 10 anos o sector do transporte aéreo cresceu 2,4 vezes mais depressa do que o PIB mundial.
Cerca de 90% da energia utilizada nos transportes deriva directamente do petróleo. A dependência dos combustíveis líquidos derivados do petróleo é particularmente elevada - deve mesmo dizer-se total - no sector aeronáutico, pois não existem alternativas energéticas ao fuel usado nos aviões. Está fora de questão, num futuro próximo, a utilização de energia eléctrica ou nuclear para propulsionar aeronaves comerciais.
O fuel sintético já produzido na África do Sul a partir do carvão (CTL- coal to liquid) não se mostra económica nem ambientalmente viável. Outras opções, como o etanol ou o biodiesel, têm fortes limitações técnicas, relacionadas com a sua baixa densidade energética e com o seu comportamento físico, nos intervalos de temperatura a que podem estar sujeitos.
A nível mundial consomem-se diariamente cinco milhões de barris de petróleo na aviação comercial, o que equivale a cerca de 15 vezes o consumo de Portugal. Um tal volume corresponde a cerca de 6% do consumo mundial de petróleo e só é superado pelo consumo individual de três países (EUA, China e Japão). Num cenário de business as usual, os crescimentos previstos para o sector aeronáutico nos próximos anos, que é o mesmo que dizer para o tráfego aéreo, indicam que a procura de fuel irá aumentar acima da média, mesmo que se encontrem formas de optimizar os consumos (...).
Mas é hoje opinião consensual que a maior ou menor disponibilidade de um combustível líquido derivado do petróleo, relativamente barato e adequado à aviação, terá fortes implicações no futuro do transporte aéreo e nos sectores da economia que lhe estão associados.
Até agora a produção de petróleo respondeu à procura sempre crescente. Contudo, sendo o petróleo um recurso limitado e por isso esgotável, a grande questão é saber como se vai comportar a curva de abastecimento no futuro, para responder ao acréscimo de procura.
Entretanto surgem um pouco por toda a parte sinais preocupantes: os EUA, desde 1970, deixaram de ser auto-suficientes, entraram em declínio de produção e já importam 60% do petróleo que consomem; a Noruega e o Reino Unido já estão a retirar cada vez menos petróleo do Mar do Norte (este, auto-suficiente nas últimas décadas, já teve de recorrer a importações em 2006!); no México, a jazida de Cantarel, a segunda maior conhecida no mundo, está em rápido esgotamento e este ano já produzirá menos 400 mil barris por dia do que no ano passado.
Países de economias emergentes, como a China e a Índia, estão a aumentar o consumo e a importar cada vez mais petróleo, e os novos produtores (Angola, Ásia Central, Brasil) parecem não chegar para compensar as perdas devidas às decrescentes produções de outras fontes, e são igualmente insuficientes para responder ao aumento da procura.
É certo que existem recursos abundantes daquilo a que se chama petróleo não convencional (deep water, areias e xistos betuminosos do Canadá e Venezuela, exploração de zonas polares, produção a partir do carvão - coal to liquid) mas com custos de produção bem mais elevados, prazos de exploração pouco confortáveis e implicações ambientais assinaláveis.
A generalidade dos analistas, já contabilizadas todas as formas de produção incluindo os biocombustíveis, prevê que a breve prazo haverá um desajustamento entre a procura e a oferta de petróleo a nível global. Os mais pessimistas (Colin Campbell, Matt Simmons, Deffeyes) falam em dois a cinco anos; e os mais optimistas (CERA - Cambridge Energy International Administration) admitem que isso só acontecerá daqui a duas ou três décadas. Contudo, todos são unânimes em que o desajustamento acontecerá mais cedo ou mais tarde.
Grandes projectos, com custos energéticos de construção avultados, ou sujeitos a forte impacto energético na sua exploração, têm de ser avaliados também nessa perspectiva. Ainda há meses, a propósito duma notável conferência sobre o tema "The low carbon economy" proferida por David Miliband, na altura ministro inglês do Ambiente, e que alguns chegaram a apontar como provável sucessor de Tony Blair, alguém questionava a oportunidade de investimentos como a construção ou ampliação de aeroportos.
O Novo Aeroporto de Lisboa entrará em funcionamento, na melhor das hipóteses, em 2017, e isso, tudo o indica, acontecerá num cenário de grande penúria energética. A qual irá certamente motivar fortes aumentos de preços dos combustíveis, que afectarão os custos de construção, e irão alterar de forma significativa as previsões de evolução do número de passageiros, e consequentemente do número de voos.
Reavaliar será, neste caso, sinónimo de sensatez.