segunda-feira, 26 de maio de 2008

In illo tempore

Então não havia Cátias nem Vanessas, ela chamava-se Teresa e eu ainda hoje sou a Mariana. Íamos juntas à escola e éramos as melhores amigas. A mestra tinha-a, a ela, em boa conta, eu era a melhor da classe. Criei-me em África, no meio do sertão, e a minha mãe ensinara-me em casa uma gramática antiga, confirmada por exames duns frades combonianos.
De vez em quando havia sabatinas, um dia chegou a das preposições. E a Teresa, chamada a contas, embateu na barreira dum perante. A mestra foi complacente, mandou voltar ao princípio. Ela repetiu a ladainha, mas de novo tropeçou no sobressalto. Tinha-o debaixo da língua, a sala toda viu isso, só não achava maneira de o cuspir.
Quando havia estas brancas na memória, ninguém escapava à lei sacramental. Era estender a mão à palmatória, manejada pela melhor amiga da infractora. E a Teresa, entre o pânico e a vergonha, abriu a mão e ficou na expectativa.
Eu recebi a vara da justiça, mas não aguentei o peso dela. Era toda a gente à espera, nunca o mundo foi tão silencioso. A mestra puxou-me pelos brios, certa e segura de que o meu lugar era ao lado dos bons. Eu é que não atava nem desatava. E quando ela perdeu a paciência, foi-se ao artigo final dos códigos em vigor.
- Tu levas uma por causa da cobardia! E tu apanhas o dobro, por recorrer ao supremo!
A Teresa, logo ali, desfez-se em lágrimas. E eu saí, de mão inchada, a consolar, com as minhas, dores alheias. Irritei gerações de pedagogos. Mas desde então nunca mais fui boa aluna.