O verão polar era curto, e havia muito que fazer quando a
fêmea chegasse. O maçarico voou até uma elevação rochosa que se erguia a cerca
de um metro do solo. Poisou e olhou à sua volta. Voara catorze mil quilómetros
para atingir esta terra inóspita, escalvada e agreste. Uma região pelada,
vazia. Bétulas e salgueiros, curvos e deformados, tinham resistido às
tempestades e ao frio do longo Inverno. Durante decénios apenas lesmas
rastejaram sobre eles, e não tinham crescido mais que quarenta ou cinquenta
centímetros. A fronteira onde a floresta subpolar de pinheiros se tornava mais
escassa, e onde começava a tundra norte-americana, encontrava-se oitocentos
quilómetros mais a Sul.
Em geral
a terra era plana e húmida, tão salpicada de charcos pantanosos que agora, na
primavera, metade ficava debaixo de água. Os pequenos montes de cascalho e os
afloramentos rochosos que represavam os charcos e os impediam de transbordar,
formando um imenso mar pouco profundo, estavam agora revestidos de espessos
tapetes de musgos e líquenes, que reverdeciam muito rapidamente. Alguns
centímetros mais fundo encontrava-se o gelo eterno, duro como a blindagem dum navio
de guerra, as fundações geladas da terra.
O maçarico levantou voo, elevou-se lentamente
e circulou em volta dos dois acres de terreno, com uma grande mancha de água e
musgo, que demarcara como reserva. Por vezes, enquanto planava lentamente de
asas abertas, fazia ressoar o seu canto nupcial, um gorjeio baixo e prolongado.
Mas não havia no seu trinado qualquer jovialidade. Era antes um grito de
guerra, um aviso a todos os que pudessem ouvi-lo: a reserva tinha um dono, a
arder no fogo do acasalamento. Nada o atemorizava, e defendia a reserva para a
sua fêmea que havia de chegar.
Conhecia
cada rocha, cada banco de cascalho, cada charco, cada arbusto, embora em tal
aspereza e solidão não houvesse nada de notável que pudesse servir de
demarcação. A fronteira norte e oeste era formada pela curva do rio que avistara
lá de cima, e os outros limites não eram muito acentuados. Espalhados pelo
chão, apenas uns blocos de granito com reflexos de pirite e mica, um par de
galhos de bétula e amieiro e algumas manchas de água castanha. Mas o maçarico
sabia exactamente onde terminava a reserva. No meio havia um montão de rochas, tão
seco que, em dez mil anos, desde que os glaciares haviam recuado, nem musgos
nem líquenes tinham podido fixar-se nele. Porém, logo abaixo, onde se juntavam
as águas escorrentes, o tapete era espesso e exuberante. E era aí, numa
almofada de musgo, que a fêmea escolheria um lugar e escavaria um ninho
achatado, em forma de prato. Cercá-lo-ia de folhas e ervas frescas, e nele
havia de pôr os quatro ovos cor de azeitona.
(Continua)