terça-feira, 28 de maio de 2019

O último maçarico-esquimó 4


O verão polar era curto, e havia muito que fazer quando a fêmea chegasse. O maçarico voou até uma elevação rochosa que se erguia a cerca de um metro do solo. Poisou e olhou à sua volta. Voara catorze mil quilómetros para atingir esta terra inóspita, escalvada e agreste. Uma região pelada, vazia. Bétulas e salgueiros, curvos e deformados, tinham resistido às tempestades e ao frio do longo Inverno. Durante decénios apenas lesmas rastejaram sobre eles, e não tinham crescido mais que quarenta ou cinquenta centímetros. A fronteira onde a floresta subpolar de pinheiros se tornava mais escassa, e onde começava a tundra norte-americana, encontrava-se oitocentos quilómetros mais a Sul.
            Em geral a terra era plana e húmida, tão salpicada de charcos pantanosos que agora, na primavera, metade ficava debaixo de água. Os pequenos montes de cascalho e os afloramentos rochosos que represavam os charcos e os impediam de transbordar, formando um imenso mar pouco profundo, estavam agora revestidos de espessos tapetes de musgos e líquenes, que reverdeciam muito rapidamente. Alguns centímetros mais fundo encontrava-se o gelo eterno, duro como a blindagem dum navio de guerra, as fundações geladas da terra.         
O maçarico levantou voo, elevou-se lentamente e circulou em volta dos dois acres de terreno, com uma grande mancha de água e musgo, que demarcara como reserva. Por vezes, enquanto planava lentamente de asas abertas, fazia ressoar o seu canto nupcial, um gorjeio baixo e prolongado. Mas não havia no seu trinado qualquer jovialidade. Era antes um grito de guerra, um aviso a todos os que pudessem ouvi-lo: a reserva tinha um dono, a arder no fogo do acasalamento. Nada o atemorizava, e defendia a reserva para a sua fêmea que havia de chegar.
            Conhecia cada rocha, cada banco de cascalho, cada charco, cada arbusto, embora em tal aspereza e solidão não houvesse nada de notável que pudesse servir de demarcação. A fronteira norte e oeste era formada pela curva do rio que avistara lá de cima, e os outros limites não eram muito acentuados. Espalhados pelo chão, apenas uns blocos de granito com reflexos de pirite e mica, um par de galhos de bétula e amieiro e algumas manchas de água castanha. Mas o maçarico sabia exactamente onde terminava a reserva. No meio havia um montão de rochas, tão seco que, em dez mil anos, desde que os glaciares haviam recuado, nem musgos nem líquenes tinham podido fixar-se nele. Porém, logo abaixo, onde se juntavam as águas escorrentes, o tapete era espesso e exuberante. E era aí, numa almofada de musgo, que a fêmea escolheria um lugar e escavaria um ninho achatado, em forma de prato. Cercá-lo-ia de folhas e ervas frescas, e nele havia de pôr os quatro ovos cor de azeitona.
(Continua)