O maçarico voou em círculos cada vez mais altos, e o seu
canto nupcial tornou-se mais repetitivo e urgente. Subitamente parou, e transformou-se
num grito febril. Lá longe, a montante do rio, mancha castanha no céu
acinzentado, voava uma outra ave em direcção ao Norte, e o maçarico
reconheceu-a como membro da espécie. Esperou, pairando sobre a reserva, em
círculos cada vez mais apertados, e a ave aproximou-se. A fêmea vinha aí. Os
três verões que o macho passara sozinho, esperando em vão, eram uma lembrança
vaga e desagradável. Mas agora ela desaparecera do seu cérebro, tão
poderosamente determinado por reacções instintivas que apenas restava um
pequeno espaço para a memória e a reflexão. O instinto dominava-o completamente,
ao elevar-se na espiral do voo nupcial, não já com as batidas de asa habituais
mas esvoaçando como uma borboleta. Chegado ao ponto mais alto deixou-se cair de
novo, silvou de encontro ao solo, recuperou baixo sobre a tundra e voltou a subir.
A outra
ave escutou-lhe o grito selvagem, mudou de direcção, veio velozmente ao seu
encontro. Obedecendo instintivamente às leis da reserva, que todas as aves
conhecem, a fêmea poisou numa rocha musgosa, situada um bom pedaço fora da
reserva do macho. Excitado, ele ardia em paixão. Numa sequência rápida efectuou
ainda várias danças, subiu no ar ruidosamente até desaparecer da vista, desceu
de novo em picada violenta, e de cada vez quase roçava o solo. Durante alguns
minutos a fêmea alisou as penas, indiferente, sem dar atenção a tais
demonstrações amorosas. Depois correu e voou sobre o terreno, alternando batidas
de asa com passadas febris. Entrou na reserva e agachou-se, submissa, ao chegar
perto do macho. Este soltou um assobio estridente e subiu na vertical para um
último voo, pairou lá no alto sobre ela, deixou-se cair como um meteoro e
poisou a cerca de dois metros de distância. Ficou parado por um momento, eriçou
as penas, esticou o pescoço e caminhou para ela. Porém, a cerca de um metro, estacou
subitamente. Emudeceram os sons meigos de ternura que até ali lhe saíam da
garganta, e em seu lugar ecoou uma rápida sequência de gritos de advertência. O
comportamento humilde e submisso da fêmea também se modificou. De súbito pôs-se
de pé e afastou-se. O macho já não a cortejava, baixou a cabeça como um galo de
combate e investiu contra ela. A fêmea desviou-se e atirou-se para o ar. Ele
seguiu-a, aos gritos, ameaçando-a com o bico repetidas vezes.
(Continua)