terça-feira, 14 de maio de 2019

O último maçarico-esquimó 2


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            Em Junho a noite do Árctico é muito curta, pouco mais que um intermezzo de penumbra. Durante os longos dias, nuvens de mosquitos enxameiam das valas profundas, como cortinas de fumo, sob o degelo da tundra.
            Antigamente, nesta época do ano, as populações esquimós aguardavam aqui o doce, fremente e longo trinado dos maçaricos-esquimós. Eles regressavam ao Árctico em grande número, trazendo consigo a perspectiva de carne tenra. Mas os grandes bandos já não aparecem. A própria lembrança deles se perdeu, ficando apenas a lenda. Pois o maçarico-esquimó, primitivamente uma das mais abundantes aves de caça da América do Norte, deixava atrás de si, na Primavera e no Outono, um verdadeiro corredor da morte. Voavam tiros de todos os lados, e ele foi demasiado lento a aprender o que era essencial à sobrevivência: o medo, diante da espingarda do caçador.
            É verdade que a espécie se manteve, mas encontra-se em perigo extremo de extinção. Tal como antes, os poucos maçaricos-esquimós que ainda existem continuam a fazer a sua longa e perigosa migração, desde a Patagónia argentina onde passam o Inverno, até às planuras húmidas da tundra que descem para o mar polar. Aqui procuram a sua fêmea. Mas o Árctico é imenso, e, as mais das vezes, a sua busca é vã. Agora voam sozinhos, os últimos representantes de uma espécie moribunda.


            Quando clareou a penumbra da noite sobre o Árctico e mais um dia de Junho começou, primeiro com um vermelho pálido e depois um amarelo vivo, o maçarico reconheceu finalmente, mil metros lá em baixo, a familiar curva do rio debruada de gelo. Nessa noite voara oitocentos quilómetros através da tundra plana e uniforme, sobre muitas curvas de rios que podiam confundir-se com esta. Sentia-se esgotado mas sabia que só agora estava em casa. Tinha as pontas castanhas das rémiges e das tectrizes em desalinho, após uma viagem migratória que começara abaixo dos trópicos e terminara sobre estas planuras escalvadas, num voo ininterrupto. O instinto do acasalamento rugia nele.
            O maçarico abriu as asas e deixou-se cair em glissagens laterais. Pedaços de gelo rosados, a flutuar no rio acastanhado, aproximavam-se vertiginosamente. Então interrompeu a picada e desceu em voo planado até ao chão. Pousou na margem lamacenta dum charco de esmalte, um pouco afastado do rio.
            Os maçaricos chegam aqui em Junho, desde há milénios, para defender a reserva e os seus locais de nidificação. Na tundra desolada aguardam febrilmente as fêmeas, esperando que elas procurem aqui um companheiro para este ano. E, durante o tempo de espera, mal conseguem aliviar o instinto de acasalamento nas lutas com os vizinhos, pela defesa da reserva que escolheram.