O Licas é o amigo mais composto que já fiz no autocarro. Logo que chego à paragem lá vem ele oferecer-me o pato de borracha, a melhor prenda que tem.
Traz sempre o mesmo casaco, mas não cheira a mofo antigo nem a tabaco frio. Nunca empata o corredor, nem abusa do espaço do parceiro com a vastidão das cadeiras. Não se fica a ruminar a chicla de boquinha aberta. Não se enfeita com pregos nas orelhas, a ver se inventa uma personalidade. Não clama contra os políticos, que são todos uns ladrões. Não pára em segunda fila, nem avança no semáforo o seu Porsche Cayenne, obrigando o autocarro a uma travagem brusca. Nem se põe a publicar, em alta voz, as histórias da cunhada, que é uma cabra.
A dona do Licas apareceu esta manhã por trás da sebe, a compor o cinto do roupão. Vinha dizer-me que o bicho tem seis anos e que não se chama assim. Mas nem ela sabe do que fala nem é para aqui chamada.