terça-feira, 27 de janeiro de 2015

CRÓNICA, SAUDADE DA LITERATURA

Manuel António Pina, (ed. Assírio & Alvim) diz assim:

«(...) E o mesmo em relação a outros ditos de uso corrente em entrevistas, conferências de imprensa e declarações mais ou menos públicas. Toda a gente sabe que "não confirmo nem desminto" significa «como é que este tipo soube?»; que "o assunto está a ser estudado" significa «não faço a menor ideia do que se trata»; que "ganhe o melhor" significa «precisamos de ganhar, nem que tenhamos que oferecer um casaco de peles à mulher do árbitro»; (...) que "os altos interesses nacionais" significa «convém-me que»; que "reduzir o peso do sector público" significa «passar a patacos as EP's que dão lucro e fazer os contribuintes pagar os prejuízos das outras»; que "competitividade" significa «salários baixos»; que "flexibilidade das leis laborais" significa «despedimentos fáceis»; que "competência" significa «é do meu partido»; (...) que "estou muito contente por vir cantar a Lisboa" significa «saquei uma boa maquia a estes pategos»; que "o Porto é a capital do trabalho" significa «preciso dos votos daqueles parolos»; (...) e por aí adiante. (...)»
JN 12/12/1987

«Há 20 anos éramos esquerdistas, maoístas, trotskistas, guevaristas, anarquistas; hoje somos todos neo-liberais e post-modernos (enfim, quase todos...). De Gaulle disse que éramos "la pègre", "la chienlit"; não fazíamos a barba, tínhamos longos cabelos, óculos redondos, blue-jeans sujos, camisas de flanela, sandálias; os mais radicais boina e saca maquisard (...). Eram os tempos heróicos do "2 cavalos" e do LSD, do punho fechado, das correrias à frente da polícia de choque, do amor livre, do excesso e da poesia. 
Os tempos agora vão mais para a prosa, para Megas Ferreiras & Vascos da Graça Moura, para a monogamia e para os preservativos. E para os carros caros, as camisas de seda, as gravatas Balmain, os "pubs", a heroína. Os "hippies" tornaram-se "yuppies" e mudaram-se do Vavá para o João Sebastião Bar e do Piolho para o bar do Sheraton; já não celebramos a Marx, Marcuse e Mao, nem aos seus profetas Cohn-Bendit, Geysmar, Sauvageot, Rudi Vermelho Dutske, mas à Wall Street, à Reaganomics, ao sucesso e ao dinheiro. (...)» 
JN, 05/03/1988

«(...) Se D. Sebastião, em vez de ter levado porrada, tivesse arrasado os mouros à espadeirada, não teria tido o sucesso que teve pelos séculos fora. E se Sá Carneiro não tivesse morrido no desastre de avião, e tivesse ganho tudo, as presidenciais, as legislativas e as autárquicas, hoje não tinha metade dos admiradores que parece que tem em todos os partidos. (...)»
JN, 06/02/1991