domingo, 4 de maio de 2014

O último maçaricão-esquimó 35

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            Nas pradarias do Nebraska e do Dakota chegara o tempo das sementeiras. Monstros de aço, barulhentos como a rebentação do mar, andavam por aqui e por ali, sobre a lavrada, e faziam longos sulcos regulares. A maior parte das narcejas evitava as ruidosas máquinas e os homens que as conduziam. Pilritos-das-praias e pernas-amarelas interrompiam a busca de alimento e ficavam alerta, quando o lavrador estava ainda a cem metros de distância. À aproximação da máquina levantavam voo, gritavam estridentemente e fugiam. E só voltavam a poisar quando ela estivesse lá longe, a quilómetro e meio de distância. Mas os maçaricões-esquimós não manifestavam qualquer receio. Ao longo da história do seu desenvolvimento, a espécie aprendera que não tinha necessidade de reacções complexas de medo. Possuía asas fortes e voo rápido. Os maçaricões podiam simplesmente ignorar um perigo ameaçador, pois escapavam com facilidade a uma raposa ou a uma ave de rapina, no último momento. Por esse motivo desaparecera a reacção de medo, como acontece a cada capacidade e a cada instinto que ficam sem utilização. Os pilritos confiavam numa apertada vigilância, e os maçaricões na força das suas asas.
            Por isso seguiam de perto as ribombantes máquinas. Ao lavrar, elas punham a descoberto o rico alimento que constituíam as minhocas brancas e as lagartas.
            Ao longo deste tempo, as gónadas tinham aumentado a secreção, de acordo com o ritmo fisiológico anual. O seu desenvolvimento estava exactamente adaptado à velocidade de deslocamento da Primavera para Norte. Tanto os seus corpos como a tundra deviam estar simultaneamente preparados para a construção do ninho e a postura dos ovos. A Primavera era cada vez mais perceptível, aproximava-se do seu ponto alto, e com isso também as emoções das aves eram cada vez mais impetuosas. Com as altas temperaturas do corpo e os rápidos processos metabólicos, elas vivem, aliás, mais depressa e mais intensamente do que todas as outras criaturas. E, do mesmo modo, quando a época de acasalamento se aproxima, fazem a corte e amam com ardor e paixão mais agitados.
            Agora o macho extravasava muitas vezes por dia os seus sentimentos, mostrava o seu amor à fêmea. A sua corte era agora muito mais impetuosa do que antes. Atirava-se de súbito para o ar, agitava as asas e cantava a sua clara e vibrante canção nupcial. Esta era mais melodiosa e doce do que em qualquer outra época do ano. Alguns segundos após, batia violentamente as asas e subia quase na vertical, arrastando as longas pernas, até atingir umas centenas de metros sobre a pradaria. Aí batia as asas e cantava de novo, para que a fêmea ouvisse, enquanto ela gorjeava e saltitava, excitada. Depois deixava-se cair de encontro a ela, recuperava baixo, subia de novo, e poisava finalmente a alguns metros de distância.
            Ele arfava de excitação, cantava alto, respirava profundamente fazendo inchar o pescoço e o peito, tufava a plumagem e estendia as asas, gracioso, sobre o dorso, até a fêmea o convidar a aproximar-se. Ela saltitava, de asas frementes, e fazia ecoar o penetrante apelo com que pedem alimento as crias que mal começam a voar. Ele avançava para ela, cerimonioso, de novo batendo fortemente as asas, quase parecia que andava pelo ar. Peito inchado contra peito inchado, o macho estendia o pescoço e alisava-lhe ternamente as penas castanhas, com o longo bico.
            Isso durava alguns segundos, depois o macho afastava-se. Procurava uma minhoca, regressava junto da fêmea e colocava-lha suavemente no bico. Ela engolia-a. E as penas do pescoço ficavam de novo lisas, as asas paravam de tremer, tudo tinha passado. Até agora, este gesto de ser alimentado constituía o ponto alto do seu amor. Os corpos não estavam ainda prontos para o acasalamento.
(Cont.)