domingo, 22 de setembro de 2013

As funções do coveiro

O poder municipal, capitaneado pelos caciques do PPD e seguido de perto pelo PS, é há muito tempo, com poucas excepções, uma incubadora de venalidades e corrupções avulsas, de arranjismos, compadrios, clientelas, malfeitorias e dívidas. O país está cheio de PPP's tão ruinosas como inúteis, as quais geraram lucros repartidos e foram celebradas em surdina com os agentes do betão. Para a posteridade ficaram as obras e as custas. Se é que alguma vez reparou nelas, a opinião pública já as esqueceu. Sobretudo desde que as elites encontraram há anos um bode expiatório, o cabrãozito do Sócrates, responsável por todos os desmandos e desgraças nacionais.
Por outro lado, a divisão administrativa actual é tão velha como os tempos do Mouzinho da Silveira, vai em dois séculos não tarda. Uma esmagadora maioria de concelhos, sobretudo no interior, tem por junto números de habitantes ridiculamente mesquinhos, (quatro, cinco, seis, sete ou oito mil), a população de qualquer freguesia urbana de pequena dimensão. E todos eles têm há décadas a máquina montada: presidências, vereações, assembleias, assessorias, adjuntos, conselheiros, frotas de viaturas e motoristas, empresas municipais, clientelas presas à trela, interesses locais, negociatas, um regabofe.
A realidade do território é hoje muito diferente do que era há dois séculos. Há um mundo de diferenças, felizmente, entre as facilidades de comunicação e de transporte de ontem e de hoje. Algum senso administrativo imporia uma nova divisão de municípios, por um lado lógica, por outro urgente, e mais ainda inadiável. Sobretudo como forma de racionalizar custos e benefícios da administração.
Quando a troika chegou a Portugal pela primeira vez sabia muito bem o que iria encontrar. Sabia muito bem que uma boa fatia dos gastos escandalosos duma administração desajustada estava concentrada no poder local. Por isso entregou ao Relvas a tarefa de eliminar municípios, reorganizá-los e proceder à reforma.
Imaginava-se, porém, que meter a mão em tal assunto seria amotinar um formigueiro. E quando o Relvas pôs a boca no trombone pela reforma administrativa e a redução dos municípios, caiu logo o Carmo e a Trindade. O presidente da ANMP, um troglodita que também dotou Viseu dum funicular inútil e insustentável, mostrou-lhe os caninos e mandou-o calar. E como o poder autárquico e os seus dinossauros são o principal sustentáculo do poder eleitoral do PPD (o qual se alimenta desde há quarenta anos de atavismos, de subserviências e negrumes), nunca mais ninguém falou da reforma dos municípios. O governo decretou a extinção ad-hoc de mil e tal freguesias, num processo atabalhoado e criminoso. E tudo se calou, à boa moda portuguesa.
Sucede que as freguesias, não constituindo fonte significativa de arranjismos caciqueiros e venalidades (até pela minúscula dimensão), são por outro lado o único apoio próximo que restava às diminutas populações envelhecidas de metade do país. Já não há professor nem escola, não há padre, não há finanças, não há tribunal, não há presença estatal de nenhuma espécie. Este governo miserável elimina exactamente o único vínculo que não devia eliminar, sem reduzir custos significativos, dando o último passo no abandono. Quem é que vai garantir ao menos as funções do coveiro?!