terça-feira, 3 de setembro de 2013

Muito pela rama, só para não esquecer

A catástrofe que assola os povos da Europa, particularmente os do Sul, é o resultado dum processo iniciado há muito, desde os tempos do Reagan e da Thatcher, levado a cabo pelas matilhas de criminosos da finança, que se acoitam em Wall-Street e na City.
Em 1989 o comunismo de Moscovo implodiu e as matilhas que se alimentam do sangue dos povos ficaram em roda livre. A produção industrial já não gerava os dividendos desejados. Por isso desindustrializaram, deslocalizaram em busca de trabalho escravo, desregularam a actividade bancária, entregaram-se furiosamente à especulação financeira, intoxicaram e financeirizaram toda a economia, num percurso em que a destruição das Torres Gémeas, executada pela prata da casa, não teve um papel menor.
Em 2007 o Lehman Brothers faliu, vitimado pelo subprime, e todos os castelos da finança estremeceram. A América enterrou milhões de milhares de milhões no sistema bancário, para evitar a derrocada em cascata. Inventou a falácia de que os povos viviam acima das suas possibilidades, e tratou de empurrar a bola de neve para a Europa, satisfazendo um desejo que já era velho e aproveitando as fragilidades do projecto europeu.
Em 2007, com o primeiro governo de Sócrates, pós-Barroso e pós-Santana, o défice português foi de 2,9%. Em 2008/9, as instruções da Europa para enfrentar a crise aconselhavam políticas contra-cíclicas, aumentando o investimento público. Sócrates seguiu por essa via e a dívida disparou. A Grécia, que entrara no Euro aldrabando as contas com a ajuda das hienas do Goldman Sachs, foi a primeira a cair. Seguiu-se a Irlanda, cujo sistema bancário desabou, intoxicado pelo lixo da América.
As agências de rating americanas entraram em acção, mais pareciam centrais de compostagem a produzir lixo, e só pararam quando levaram Portugal ao tapete. Era indispensável que o fizessem, os juros da dívida eram uma boa arma. Em 2009/10 Sócrates quis inverter a trajectória. Mas não vieram da Europa as respostas necessárias e esperadas, e Portugal não dispunha de instrumentos próprios, mormente os monetários, para gerir a dívida. 
Começou a desenhar-se uma hierarquia fatal entre os países do Norte, mais ricos, mais sabedores e menos afectados pela dívida, e os países do Sul de economias mais frágeis, os PIGS. Ao Norte interessava salvar os bancos, e não se pouparam a esforços e a manobras dilatórias para o conseguir. Alguém haveria de pagar. A América empurrara o lixo para a Europa. O Norte empurrava o lixo para o Sul. Alguém haveria de pagar.
Em 2011 Sócrates prepara o PEC IV, como forma de evitar a catástrofe da troika e a invasão dos credores. É então que o jogo do empurra se nacionaliza, e passa a jogar-se no tabuleiro interno. As velhas oligarquias lusitanas, agrupadas em volta dos destroços dum PPD onde pontificava um Relvas e um Passos, encabeçados por um presidente de opereta, encontram finalmente o momento propício para assaltarem o poder e executarem um programa de reversão dos últimos quarenta anos, que sozinhas não conseguiriam pôr em prática. O PEC IV ainda recebeu a aceitação das instâncias europeias, mas isso não chegou para o salvar. Foi recusado por toda a oposição, com os comunistas de braço dado com banqueiros, com parasitas, com traidores, com a pior escumalha política que Portugal já viu. Os oligarcas berravam que a troika já vinha tarde, e do seu ponto de vista tinham mais do que razão. Ela oferecia-lhes de mão beijada a oportunidade de derrubar o governo, um programa de destruição, e um guarda-chuva para o levarem a cabo. Alguém haveria de pagar.
Sócrates apresentou a demissão, os portugueses elegeram o Relvas mais o Passos, e receberam a factura na volta do correio. Finalmente estava definido quem é que iria pagar. Lá como cá, as elites europeias, de quem nada há a esperar, já endossaram a conta aos povos respectivos. Porém os portugueses, quem afinal desprezam, é o Sócrates e o seu governo. É perguntar, ainda hoje, aos professores.
Não há luta de classes o caralho! O que já não há é um palácio de Inverno, que está transformado num museu. Mas o comité central ainda não sabe.