sexta-feira, 8 de maio de 2009

O flagelo de Angola

Quando Savimbi, há anos, foi abatido no sertão angolano, alguém disse que desaparecera o flagelo de Angola. E muito embora os flagelos angolanos sejam tantos, desde há séculos, como as cabeças da hidra mitológica, a expressão era certeira como uma bazucada à queima-roupa, se uma tal coisa é possível.
Os trabalhos de Joaquim Furtado sobre a guerra das colónias têm mostrado à saciedade o que muitos troca-tintas sempre recusaram ver, no último acto da nossa tragicomédia imperial: a cegueira criminosa do regime colonial, e o verdadeiro papel de certos figurões nacionalistas.
Jonas Malheiro Savimbi, doutorado por Lausanne, emergiu para a luta de libertação vindo da UPA, essa nebulosa vaga onde se misturava selvajaria e superstição, tribalismo e ódio racista, feitiçaria, ânsia de poder, oportunismo e dinheiros da CIA. Emergiu da UPA porque ela já tinha um dono, e Savimbi não era galo para repartir poleiros.
Reciclado pelos chineses, foi instalar-se no Leste, porque as fronteiras do Congo só eram propícias a Holden Roberto. E era no Leste que se impunha anular a acção do MPLA, mesmo que tal significasse um serviço ao inimigo, e fosse enfraquecer e trair a luta anti-colonial. Mas Savimbi não estava lá para outra coisa, que não fosse alimentar a vocação de soba egocêntrico e vaidoso. E que não olha a traficâncias para vestir um dia o libré do poder, com que os europeus sempre souberam enfeitar os cafres. Alguns livros antigos falam disso.
O resto dizem-no os factos. Savimbi pôs-se ao serviço do poder colonial. E só não foi governador colonial do Bié, traído pelo próprio oportunismo. Ao mesmo tempo que jurava a trégua ao inimigo, e recebia dele munições, e armas, e logísticas avulsas, fazia nas matas congressos da UNITA, e desfraldava na imprensa internacional a bandeira das zonas libertadas.
Apresentou-se à cimeira do Alvor como quem vai a um exercício de estilo, na ânsia de chegar a Luanda. E na guerra que logo sobreveio, aliou-se ao apartheid sul-africano.
Denunciou as eleições de 92, porque o resultado não foi o que lhe convinha. E regressado à Jamba a toque de caixa, tornou-se no peão de que a CIA precisava.
Ainda assinou os acordos de Bicesse, porque assinava tudo o que apontasse ao poder. E acabou descartado, como as coisas inúteis, quando a CIA já não precisava dele e o denunciou. Mas só se deixou abater, quando já não havia mais traições para fazer.
Hoje, só uma coisa fica por esclarecer: que espécie de razões moveram Mário Soares, tão solícito e atento à sorte de Savimbi, sempre que os ventos lhe sopravam nefastos? E que fazia o seu filho, por pouco morto na Jamba, quando um avião por lá se despenhou?