domingo, 24 de maio de 2009

Açúcar e adoçantes

Tempos houve em que o editor era uma figura tutelar. A sua casa era uma marca de água, uma garantia de qualidade. Porém as coisas mudaram, e hoje o editor é mais um náufrago na enxurrada do mercado. Transformou-se em empresário da indústria da cultura.
Para tudo ficar bem explicado, o melhor é dar-lhe a palavra:

- No centro da edição já deixou de estar o autor, que produz a qualidade e o pensamento. Quem lá está hoje é o leitor. O que o editor procura é um autor que lhe escreva o que o leitor quer ler.
- Há mudanças que são inevitáveis, e lutar contra isso é romantismo. Um editor com sucesso é aquele que é capaz de compreender os desejos e as necessidades do leitor.
- Hoje há fundos de investimento, e grupos financeiros que estão no livro como podiam estar noutra coisa qualquer. E a sua filosofia é naturalmente o dividendo.
- A ficção de qualidade cedeu lugar à literatura comercial. Dá-se maior atenção a livros sem relevância literária, do que a obras de qualidade.

Há nisto contradição nos termos. Ao reduzir a obra à condição de produto comercial, dependente dos desejos do leitor, o mercado gera um ecossistema onde a criação artística não conta, nem faz falta. Nem sequer a gramática da língua. Ficam ambas exiladas em nichos ecológicos, de natureza elitista, numa paisagem cultural degradada por infestantes.
O consumidor comum terá, ainda assim, a ilusão de ser leitor, e de aceder à literatura. Há-de mesmo figurar nas estatísticas. Mas é uma ilusão culturalmente fatal. Levam-no a confundir adoçantes com açúcar.