sexta-feira, 22 de maio de 2009

Fancarias

O primeiro tropeção nas fancarias literárias da pós-modernidade passou por mim há muito, perdi a conta aos anos. Na altura passei por parvo, e não calculava ainda as funduras do charco. Por isso levei o caso tão a peito, coisa que hoje não sucede.
Um dia caiu-me nas mãos O Jardim das Nogueiras, que me desenterrou memórias infantis. A autora era, de resto, mulher encantadora, misto de bruxa e vestal de cultos orientais. Foi dela que ouvi falar pela primeira vez de Uppanishads, e de Aiyurvedas bramânicos, em excursões pelo exótico que um doce gesticular facilitava. Levei o Jardim para casa, há-de andar por aí no cotão duma estante.
O conteúdo já se me varreu, que não passava de neblina evanescente. Porém a dada altura tropecei numa frase que me pareceu truncada, que me pareceu defeituosa, que me pareceu gralhada. As letras estavam no papel mas eram indistintas, desfocadas, rasuradas. Era impossível lê-las. Ora ao tempo só havia rotativas, não as impressoras de hoje, que os vírus endoidecem. E eu tomei a coisa por defeito de impressão. Mas depois vieram parágrafos inteiros, páginas ilegíveis, não sei se algum capítulo. E fui ao livreiro reclamar.
O homem lá me foi explicando que aquilo era mesmo assim. E que o melhor era eu abrir os olhos à vastidão dos recursos da arte contemporânea.