quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Manuel Laranjeira - Cont. 3

(...)
"Em suma, na imensa maioria da sociedade portuguesa não se formou um carácter cívico em harmonia com a vida moderna e fez-se todo o possível para destruir o carácter cívico antigo. Desta deficiência educativa, o sentimento de vida nacional não evoluiu normalmente e resulta um sentimento, desvirtuado em parte, em parte incompleto.
Por outro lado, uma parte, mínima é certo, da sociedade portuguesa apresenta um avanço educativo relativamente acentuado, vindo deste modo acusar mais exagerada e nitidamente a desarmonia mental e afectiva da nacionalidade. (...)
Bastará tão somente constatar que em Portugal todas as questões de interesse nacional eram encaradas como questões mínimas, insignificantes, por essa minoria inteligente e ilustrada, que, salvo raras excepções, apostolizava que o ideal de pátria devia ser amplificado, ou substituído por um ideal mais largo e grandioso - a humanidade. A vida da nação, o interesse colectivo, eram frequentemente esquecidos, ou relegados para o cesto das questões inúteis.
Este modo de pensar e de sentir traduzia-se por uma abstenção sistemática nos conflitos da vida pública, por uma passividade contemplativa perante os nossos destinos como povo, como nação. (...) E o único ideal belo e magnífico, como um generoso delírio de grandezas, era o de uma pátria mais vasta, que abrangesse a terra toda*.
Finalmente uma outra parte da sociedade portuguesa, constituída pelas quadrilhas messiânicas, instalava-se parasitariamente no corpo da Nação, aproveitando-se da obediência cega, animal, da maioria ignorante, domada e escrava, e ao mesmo tempo da passividade e desleixo dessa minoria inactiva, requintadamente ilustrada e desenhosa.
E enquanto exteriormente nós íamos mostrando uma ficção de organização social civilizada, no seio da nossa sociedade, atacada dessa infatigável polilha messiânica, ia-se operando lentamente, surdamente, essa situação dolorosa de depressão moral, em que, no dizer hiperbólico dum amigo meu - de entre cinco milhões de criaturas que se sentem esmagadas por um mal-estar insuportável, não existem cinco que se entendam para o remediar."

[*Salazar pôs em acção exemplarmente o conluio entre quadrilhas messiânicas parasitas e minorias ilustradas servis. A maioria ignorante era considerada há séculos puro gado de exportação. E carregava ao lombo o mito, o colossal embuste duma pátria multirracial e pluricontinental, pelo mundo em pedaços repartida. Os visionários paranóicos do V Império ainda hoje batem nessa tecla. Sonham com uma pátria do tamanho do mundo. Mas não cavam a horta que têm nas traseiras. Preferem asilar numa sopa dos pobres.]