sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Fomos ao rio de Meca - 3

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Os homens conversam, alegres alguns, na sombra encalorada das mangueiras. Discutem outros, menos bem dispostos, a propósito da vinda da coluna dos brancos. Amontoado no dorso dos camiões, a troco de pouco dinheiro, vai passar por ali cada quilo de café do Mavoio, da Mamarrosa, da Calambata, de todos os cafezais do planalto. No dorso dos camiões seguirá também o café que o povo acarinhou ali, nas matas do Tomboco.
Os homens fizeram, à beira da picada, aquela pilha de sacos onde os monandengues estão já a inventar as suas brincadeiras sem fim. Trouxeram mesmo os cestos entrançados, compridos que nem pirogas, carregados de fruta. Às vezes os brancos compram. As laranjas podem durar ali muitos meses, as bananas menos.
A ideia da vinda dos camiões dá volta no juízo da gente. A venda do café traz dinheiro que não vem doutro modo, mesmo barato. Depois, os brancos trazem aquele estendal de panos garridos, de bebidas, de rádios e catanas, de vinho e de cervejas, mil bugigangas que fascinam os olhos curiosos da gente. As mulheres sentem aquela ideia no peito de que o dinheiro do café pode comprar uma roupa para os cambutas, comprar um pano novo para pôr no corpo. Os homens vão tirar uma vez da cabeça aquela ideia da miséria, vão deixar correr na goela seca a cerveja dos brancos, até sentir o corpo contente, a espuma branca esquecida nos beiços.
Os homens conversam, agrupados, à sombra das mangueiras. Negro Paulino está a ouvir, tem na cara um ar de preocupação. Sabe que os comerciantes vão oferecer tão pouco dinheiro pelo café que nem paga o trabalho de apanhá-lo nas matas. Que logo a seguir, à ordem do patrão, os monangambas vão puxar o oleado dos camiões, vai ouvir-se música do Congo na sanzala inteira, e vai aparecer aos olhos embevecidos da gente todo aquele mundo colorido de coisas para comprar. Sabe o negro Paulino que as notas dos angolares vão sair dum bolso de branco e entrar noutro. Ele conhece a manha dos comerciantes, sabe que o branco inventa sempre mil maneiras de levar o dinheiro da mão do preto, mesmo com aquela cara de nojo e repugnância que ele mostra. Sabe que à noite as mulheres estarão mais tristes no fundo escuro das cubatas, que algumas levarão porrada dos homens, bêbados do vinho que vem nos camiões. Sabe que a festa que anda na cabeça da gente, por causa do dinheiro do café, será outra vez uma ilusão amarga.
Os homens falam, por baixo das mangueiras. Negro Paulino sustenta que oito angolares por cada quilo é o preço justo do café. Os homens combinam. Por menos dinheiro, o café não subirá nos camiões.
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