segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Campanha para a história (1)

O tempo corria pesado, é certo, no planalto, e os arrastados meses, infindáveis, consumiam as tropas. Mas a situação não estava tão deteriorada que justificasse assim a utilização dos grandes meios, dos argumentos de arrasar.
Foi por isso com alguma surpresa que, nos princípios de 1969, se viu chegar à esquadra dos aviadores do Negage o príncipe herdeiro da dinastia dos Braganças. Seria aquilo uma justificação das famas guerreiras de el-rei D. Miguel, ou uma tardia reacção ao ultimato inglês, pensou o pessoal. Algum inteligente sugeriu que se estava perante uma jogada demagógica dos responsáveis, para iludir o pagode. Mas a malta dispunha dum vocabulário reduzido à técnica, e dum volume de conceitos ainda mais escasso, e quase ninguém percebeu a sugestão.
Sua Alteza tinha uma face de menino, de rósea carnação, atreita a colorações vermelhuscas perante a ironia de algum plebeu menos condescendente. Mas foi notavelmente camarada desde o primeiro dia, guardou no malão os pergaminhos de palácio, e depressa se integrou na rotina da esquadra. De modo tão eficiente o conseguiu que, semanas depois, era perfeita a uniformização republicana.
O jovem herdeiro vinha apetrechado com um belo curso de pilotagem nos helicópteros da Sud-Aviation, ao que se dizia tirado nos céus da doce França. Embora de belo efeito, o argumento era pura retórica. Os portugueses foram, por força dos seus desvarios africanos, as verdadeiras amas-de-leite dos helicópteros franceses. Se os ingénieurs, sempre atentos em Luanda, imaginavam soluções técnicas, era aos portugueses que competia tirar-lhes a prova real. Há muito de português, no êxito que tais máquinas tiveram nesses tempos. E Sua Alteza não foi buscar a França refinamentos técnicos que por cá não estivessem disponíveis no polígono de Tancos, com vantagens gerais.
O pior de tudo é que na esquadra do Negage não havia helicópteros. E andava o pessoal a tentar deslindar a lógica daquilo tudo, quando se soube que ao herdeiro real fora proibido executar missões de voo. Logo ali se percebeu um pouco do que são as jogadas demagógicas dos responsáveis. Mas alguns dias depois o sossego voltara aos espíritos, e o príncipe adquiriu o estatuto de rara flor de estufa, para decoração do ambiente.
(...)