quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Aquelas terras grandes...

"(…) Nestes prados da Quinta dos Cavalos não há cavalos nenhuns. Só João vai caminhando pela berma da estrada e o viajante pára ao lado dele. Não sendo velho é uma figura antiga, delida pelo tempo, ou pela vida. E há nele  uma servitude primitiva que este viajante já julgava extinta. De manhã tirou-se de cuidados e foi à vila ao médico espanhol, à boleia dum vizinho. Em breve se despachou e agora não há transportes, não tem remédio senão voltar a pé. Tem a mãe à espera em casa, já muito velha, e ainda mais achacada do que ele. Há mais irmãos, mas desgarraram todos depois que voltaram de Angola. Foram para lá quando eram pequenos, cresceram nos colonatos do Cunene. Havia o gado e aquelas terras grandes… Agora o que lhe vale é o rendimento mínimo.
Quando o carro estaca no meio do largo, ali à beira dum salgueiro-chorão, João ainda não acreditou que o viajante parou na estrada e o trouxe  para casa. O que lhe vale é o rendimento mínimo. E ao vê-lo assim, a afastar-se cabisbaixo, convence-se o viajante de que deu boleia a um símbolo de alguma coisa maior. (…)"
[Peregrinação da Lapa a Riba-Côa, Âncora edit. Lx 2012]