segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Jorge de Sena, Camões e outros exilados

 
(Cont.)
 "Isto não sucedeu só agora, e não é senão repetição de outros momentos da nossa história sempre repetida entre o anseio de uma liberdade que ultrapassa os limites da liberdade possível e o desejo de ter-se um pai transcendente que nos livre de tomar decisões ou de assumir responsabilidades, seja ele um homem, um partido ou D. Sebastião. (...)
Sejamos francos e brutais. Há neste momento milhões de portugueses dispersos pelo mundo em mais de um continente, e não só na Europa de que são mão-de-obra. O país pensa neles e deseja recordar-se deles. Mas o país, na situação económica em que se encontra e toda a gente sabe desastrosa, não pode prescindir do dinheiro deles, ou do dinheiro que eles costumam enviar para a santa terrinha (...). Há quem diga e quem pense que celebrações como esta são uma compensação para a perda ou derrocada do império oferecida ao sentimento popular, e que isso das Comunidades é mesmo ainda pior: uma ideia do fascismo. (...) O celebrar-se no presente e no passado em sua gente, o homenagear essa gente e recordá-la aonde quer que viva ou tenha vivido, é um imperativo imarcessível da dignidade humana, num dos aspectos que a representa: o pertencer-se directa ou indirectamente a um povo, uma história, uma cultura que foi, é e será capaz de diversificar-se em outras. (...)
Pensarão alguns, acreditando no que se fez do pobre Camões durante séculos que celebrá-lo, ou meditá-lo e lê-lo é prestar homenagem a um reacionário horrível, um cantor de imperialismos nefandos, a um espírito preso à estreiteza mais tradicionalista da religião católica. Camões não tem culpa de ter vivido quando a Inquisição e a censura se instituíam todas poderosas (...) Camões não tem também culpa de ter sido transformado em símbolo dos orgulhos nacionais em diversos momentos da nossa história em que esse orgulho se viu deprimido e abatido. Claro que esse aproveitamento não teria sido possível se ele não  tivesse escrito Os Lusíadas. (...) E o ter sido usado, manipulado e treslido como Camões o foi é um dos preços que a grandeza paga neste mundo. " (Pág. 280).