O donzílio é caçador e professor de literatura clássica. Todos os dias se levanta pela manhã, dirige-se à universidade, especula um pouco sobre o indizível, e vai à caça em lhe chegando o tempo.
Há tempos esteve em marrocos, a frequentar um curso de sexo taoísta. E trouxe de lá uma flauta ocarina, que lhe venderam numa casbá qualquer. Ela debitava uns lamentos de oásis, parecia que palpitavam nela as mil e uma noites. Um belo chamariz para as rolas, quem sabe.
Quando abriu a caça, o donzílio tomou o caminho da charneca, de carabina ao ombro, como é hábito no fim do verão. Escolheu uma porta à beira da ribeira, debaixo dum salgueiro verde, e tratou de se camuflar entre os juncos, como bom profissional.
A atmosfera da tarde era uma vasta planície azul desabitada, e o donzílio decidiu pôr a cantar a ocarina. Meu dito meu feito, logo três rolas vieram de longada, escrevendo no céu um desenho redondo. Poisaram no salgueiro verde e atestaram no rapaz olhares de êxtase inefável, de quem aterrou nos campos elíseos.
O donzílio ainda levou a arma à cara, mas logo baixou os braços. E ficou ali, como quem espera um destino, enleado naqueles arroubos de narciso a mirar-se no espelho da ribeira. Até que as rolas desceram do salgueiro e quiseram forçar o rapaz a estender-se na erva.
O moço debateu-se, valeu-lhe ali a carabina basca para se defender a tiro, e chegou a casa atordoado. Contou-me o indizível enredo e ainda não saiu do quarto até hoje. Mal sabe que o pior está para vir. As rolas foram ter com o doutor delegado e deram parte dele, por assédio sexual no local de trabalho. Já chegou no correio o postal da intimação.
***Eco de 2002