Palavras há que desvendam, por si só, um universo inteiro de pensamento. A diáspora é delas um bom exemplo.
Há muitos séculos que as elites dirigentes aprenderam a tratar os portugueses como gado de exportação. E em lugar de um alimento mais substantivo, toda a vida lhes encheram os ouvidos com retóricas e mitos. Agora tornou-se moda chamar-lhes narrativas, que são apenas modos de analisar a vida, explicar o mundo e expôr as visões dele. São ideologia pura, e tóxica as mais das vezes.
Na língua dos parasitas, a diáspora portuguesa escondeu durante séculos a crua realidade duma história desgraçada. Vaguear por esse mundo era a nossa vocação, a nossa índole intrépida, a nossa natureza destemida, o nosso impulso mais fundo, o nosso destino eleito. O mundo para nós não tinha limites, e o ponto mais alto da nossa pátria de heróis era o pico do Ramelau, na parte leste da ilha de Timor. Entretanto eram as remessas desses emigrantes que enchiam a barriga das elites parasitas e iam compensando os orçamentos da pátria sempre em falência.
Um dia o grito de Abril, e as ventanias que trouxe, e o pânico que instalou, cortaram o pio às elites, antes que novas viessem. Mas agora que, dia a dia, tudo está voltando ao que já foi, voltou também a palavra diáspora. Como se ela fosse um bem comum. Como se fosse a nossa natureza. Como se fosse um destino transcendente. Como se fosse um gesto vencedor ou um fadário inevitável.
E ela não é nada disso. A diáspora dos portugueses nasceu sempre da mesma fome. Teve sempre como força a nossa fragilidade. Encheu sempre a barriga a parasitas. Foi sempre, e agora voltou a ser, a nossa maior desgraça enquanto povo. Mesmo quando foi a única salvação de cada um de nós.