terça-feira, 5 de abril de 2011

Mais vale tarde... 12 - Las Hurdes

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O que a República recebeu de Afonso XIII foi um país ocupado por centenas de milhares de monges, mosteiros e igrejas repletos de tesouros, distritos inteiros povoados por idiotas e prisões superlotadas - um país cheio de tifo e malária. O povo que escrevera brilhantes páginas da História tinha baixado à condição de um país balcânico retrógrado.

Em 1934, a conselho de Don Miguel de Unamuno que encontrara em Salamanca, onde a República o nomeara Rector Magnificus da Universidade, visitei o distrito de Las Hordas, na província da Estremadura, a leste de Toledo.
Ali, a uma pedrada, por assim dizer, da mais aristocrática capital da Europa, deparou-se-me uma população camponesa que não atingira o nível social e cultural dos fellahs árabes da Transjordânia. Todas as pessoas que encontrava na estrada andavam descalças. Homens e mulheres vestiam andrajos. As crianças sofriam de pelagra e raquitismo. O pão era um luxo desconhecido naquela região da Espanha. (...)

Dormia-se em montes de palha, sem cobertas, e isso não era numa ou noutra choça, mas em todas aquelas casas de chão batido, destituídas das mais elementares comodidades, e até de móveis.
Em redor, contudo, existiam florestas de carvalho e faia, e vastas árvores no solo ubérrimo. Não se permitia aos camponeses pousar pé nessas propriedades ricas. Postavam-se guardas armados ao longo das estradas e nos bosques, prontos para entrar em acção se as massas famintas e indigentes fizessem uma tentativa para ocupar as granjas senhoriais. Até juntar castanhas e bolotas nas terras dos nobres e dos abades era proibido desde tempos imemoriais. Surpreendidos em flagrante de armar laço a um coelho, um esquilo, ou depenar uma gralha, os "furtivos" eram abatidos sem piedade.
Esta fora, durante séculos, a lei do país. A República não podia mudá-la da noite para o dia, pois os fidalgos ainda contavam demasiados amigos nas Cortes de 1934, dominadas elas como foram por Lerroux e Gil Robles. (...)

Até as grandes partidas de caça, em que os camponeses eram empregados como batedores, tinham sido suspensas em 1934. Os senhores estavam em Paris, em Fontainebleau, onde Vitoria Ena tinha estabelecido a sua corte, ou em Biarritz e Deauville, fazendo companhia a Afonso XIII em todos os bares de cocktail.

Não se proporcionou trabalho de especie alguma enquanto o governo "vermelho" (o governo fascista de Gil Robles) permaneceu no poder em Madrid. Os camponeses tinham mandado delegações à capital, delegações de homens descalços, que fizeram todo o caminho a pé, porque todos os aldeãos juntos não possuíam dinheiro suficiente para dar aos seus representantes uma condução mais rápida. (...)

- Vão pedir trabalho a esses seus belos amigos socialistas, que vocês puseram no poder! - respondiam-lhes os mordomos.
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