quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
sábado, 31 de dezembro de 2011
2012
Portugal volta, enfim, ao que sempre foi, desde que há cinco séculos lhe arrancaram as raízes e lhe sangraram a seiva. Um país precário e inviável, a tactear na escudela vazia os mitos e as balelas que uns farsantes lhe estendem para o calar; agrilhoado a um fadário que desde então se repete, mudando os pormenores.
É um país assim, amedrontado e tosco, que satisfaz as elites, para quem o povo geral é gado de exportação.
É um país assim, amedrontado e tosco, que satisfaz as elites, para quem o povo geral é gado de exportação.
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
Ecos da Sonora - XLIII (2)
Há-de ser apenas conjugação astral nefasta.
Mas desde que o Relvas tomou conta disto, o trabalho de gravação da Sonora baixou 60%.
E na verdade, se aos indígenas inteiros tão pouco diz a leitura, por que havemos nós de nos preocupar com uns cabrões que sofrem de cataratas?
Leitores contratados, tudo fora!
Mas desde que o Relvas tomou conta disto, o trabalho de gravação da Sonora baixou 60%.
E na verdade, se aos indígenas inteiros tão pouco diz a leitura, por que havemos nós de nos preocupar com uns cabrões que sofrem de cataratas?
Leitores contratados, tudo fora!
Maquinistas
Comboios parados três dias no Natal, páram outros três no Ano Novo.
Não admira.
Se a melhor nata do país há muito que abriu falência, por que não há-de a elite proletária assumir-se em bancarrota?
Não admira.
Se a melhor nata do país há muito que abriu falência, por que não há-de a elite proletária assumir-se em bancarrota?
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Canalhas patriotas
(...)
"O exército é o espelho da nação, e isto era o que se lia nos panfletos colados a esmo nas ruas da cidade, virava-se uma esquina e logo tropeçavam os olhos naqueles rectângulos de cor envergonhada e baça, não tão baixos que pudesse mão herética meter-lhes a unha e silenciá-los, nem tão altos que risco houvesse de perder-se na atmosfera da tarde a jaculatória patriótica, o exército português é tão bom como os melhores. Muito melhor que os melhores, diremos nós para que a verdade se saiba, pois convém a César dar o que de César é, e para o provar vamos ali à foz do Massanza, um destacamento avançado onde um pelotão de atiradores vai defendendo a soberania, do outro lado do rio alastra na paisagem, entre arames farpados, uma sanzala de realojados, que estendem ao sol as misérias da lepra.
Um dia os rústicos soldados saíram dos abrigos e deram-se a construir uma pista de aterragem, tinham-lhes prometido uma avioneta que poisaria ali uma vez por quinzena, não há nada melhor para romper o isolamento, para resistir à loucura ou receber o correio que houver, sempre se tem a ilusão duma ligação ao mundo. À custa de tempo e de suor aplainaram à mão esta faixa com dez metros de largo, esquartejaram umas dúzias de mangueiras bravas que arrastaram para as bermas, a pista começava logo à beira do rio e alongava-se até tropeçar ao fundo na colina, o resto do milagre haviam de fazê-lo os aviadores. E um deles o terá feito, uma vez sem exemplo, aterrou um dia a passarola mas só saiu dali deixando atrás a carga toda e metade da gasolina, que a pista foi celebrada com cerveja mas não ia além de sessenta metros mal medidos, tudo quanto podemos fazer é passar em voo rasante e largar os sacos de biscoitos e massa, é largar as latas da marmelada e do atum, é largar os sacos do chouriço e da carne, se a houver.
E foi a partir daí que toda a canzoada da sanzala passou a regular a vida por um estranho calendário, mal se ouve ao longe o roncar dum avião e logo os bichos se põem a atravessar o rio, espadanando na água as patas frenéticas. Cada um escolhe o seu terreno ao longo da pista, e é vê-los a disputar aos irados soldados os restos dalgum saco rebentado, lá vai este a fugir para o mato com um par de chouriços nos dentes, aquele abocanhou um pão, a princípio ainda se ouviam tiros e rajadas a afugentar os bichos, agora já nem isso, toda a gente afinal concluiu que a vida custa a todos, que todos ficam parecidos no retrato, o exército português é melhor do que os melhores."
(...)
[Veio-me à lembrança a peripécia, ao tropeçar neste vómito dum canalha patriota. Ao tempo dos acontecimentos, andava ele ainda nos primeiros ensaios de paralelas assimétricas, nos tomates do avô.]
"O exército é o espelho da nação, e isto era o que se lia nos panfletos colados a esmo nas ruas da cidade, virava-se uma esquina e logo tropeçavam os olhos naqueles rectângulos de cor envergonhada e baça, não tão baixos que pudesse mão herética meter-lhes a unha e silenciá-los, nem tão altos que risco houvesse de perder-se na atmosfera da tarde a jaculatória patriótica, o exército português é tão bom como os melhores. Muito melhor que os melhores, diremos nós para que a verdade se saiba, pois convém a César dar o que de César é, e para o provar vamos ali à foz do Massanza, um destacamento avançado onde um pelotão de atiradores vai defendendo a soberania, do outro lado do rio alastra na paisagem, entre arames farpados, uma sanzala de realojados, que estendem ao sol as misérias da lepra.
Um dia os rústicos soldados saíram dos abrigos e deram-se a construir uma pista de aterragem, tinham-lhes prometido uma avioneta que poisaria ali uma vez por quinzena, não há nada melhor para romper o isolamento, para resistir à loucura ou receber o correio que houver, sempre se tem a ilusão duma ligação ao mundo. À custa de tempo e de suor aplainaram à mão esta faixa com dez metros de largo, esquartejaram umas dúzias de mangueiras bravas que arrastaram para as bermas, a pista começava logo à beira do rio e alongava-se até tropeçar ao fundo na colina, o resto do milagre haviam de fazê-lo os aviadores. E um deles o terá feito, uma vez sem exemplo, aterrou um dia a passarola mas só saiu dali deixando atrás a carga toda e metade da gasolina, que a pista foi celebrada com cerveja mas não ia além de sessenta metros mal medidos, tudo quanto podemos fazer é passar em voo rasante e largar os sacos de biscoitos e massa, é largar as latas da marmelada e do atum, é largar os sacos do chouriço e da carne, se a houver.
E foi a partir daí que toda a canzoada da sanzala passou a regular a vida por um estranho calendário, mal se ouve ao longe o roncar dum avião e logo os bichos se põem a atravessar o rio, espadanando na água as patas frenéticas. Cada um escolhe o seu terreno ao longo da pista, e é vê-los a disputar aos irados soldados os restos dalgum saco rebentado, lá vai este a fugir para o mato com um par de chouriços nos dentes, aquele abocanhou um pão, a princípio ainda se ouviam tiros e rajadas a afugentar os bichos, agora já nem isso, toda a gente afinal concluiu que a vida custa a todos, que todos ficam parecidos no retrato, o exército português é melhor do que os melhores."
(...)
[Veio-me à lembrança a peripécia, ao tropeçar neste vómito dum canalha patriota. Ao tempo dos acontecimentos, andava ele ainda nos primeiros ensaios de paralelas assimétricas, nos tomates do avô.]
Serviço público
Por ser de leitura obrigatória, transcreve-se O Fantasma de Paris, texto de Miguel Sousa Tavares no último Expresso:
"Uma curta e inócua declaração de José Sócrates em Paris, numa palestra informal, foi o suficiente para agitar todo o país político e desenterrar os ódios adormecidos contra o homem que nos governou até Junho passado. Como qualquer pessoa de boa fé percebeu, mesmo truncada e fora de contexto e mesmo antes de explicada pelo seu autor, a frase de Sócrates limitava-se a constatar uma evidência: que nem Portugal nem qualquer outro país pode ser confrontado com a demonstração de que seria capaz de pagar de imediato toda a sua dívida externa; tem apenas de a gerir, mantendo-a sob controlo.
Para quem não saiba, Portugal acabou de pagar, há um par de anos, dívidas que vinham do tempo da implantação da República, e o mesmo fez a Alemanha, por exemplo, com dívidas dos anos vinte do século passado. A razão por que os países acumulam dívida é a mesma razão pela qual a acumulam as empresas e as famílias: para se poderem desenvolver.
Salazar não acumulou dívidas, mas em compensação entregou o país mais pobre da Europa, a seguir à Albânia. Os países não são supostos poder e dever pagar toda a sua dívida de imediato, por intimação dos mercados ou das agências de rating, tal como não são as famílias e as empresas. Aquilo que interessa, e que Sócrates destacou, é saber gerir a dívida: não deixar que o seu custo, o chamado serviço da dívida (amortização mais juros) atinja um ponto em que se torna mais elevado do que os benefícios proporcionados pelos empréstimos contraídos - porque aí o que estamos a fazer é a roubar as gerações seguintes.
Foi isso que nos escapou nos últimos anos - a nós e a toda a Europa e Estados Unidos. Assim, tanto Maastricht como a recente cimeira europeia de Bruxelas, não pretenderam proibir em absoluto o défice e as dívidas, mas estabelecer-lhes limites considerados sustentáveis - 3% do PIB antes e 0,5% agora para o défice, e 60% para a dívida acumulada.
A esta luz, temos de ler nas reacções quase histéricas às palavras de Sócrates (exceptuou-se Passos Coelho) uma explicação de outro tipo: o país, civil e político, procura afanosamente um bode expiatório para os males que o atingiram, e José Sócrates é o alvo talhado à medida. Pouco importa, aliás, que a crise tenha nascido de fora para dentro, e que atinja por igual todo o mundo em que vivemos: encontrar um culpado nosso serve de catarse para nos livrar a todos da culpa colectiva pelos erros que foram exclusivamente nossos. Convém, pois, fazer um exercício que os portugueses detestam: refrescar a memória. (..)
(Continuar a leitura AQUI)
"Uma curta e inócua declaração de José Sócrates em Paris, numa palestra informal, foi o suficiente para agitar todo o país político e desenterrar os ódios adormecidos contra o homem que nos governou até Junho passado. Como qualquer pessoa de boa fé percebeu, mesmo truncada e fora de contexto e mesmo antes de explicada pelo seu autor, a frase de Sócrates limitava-se a constatar uma evidência: que nem Portugal nem qualquer outro país pode ser confrontado com a demonstração de que seria capaz de pagar de imediato toda a sua dívida externa; tem apenas de a gerir, mantendo-a sob controlo.
Para quem não saiba, Portugal acabou de pagar, há um par de anos, dívidas que vinham do tempo da implantação da República, e o mesmo fez a Alemanha, por exemplo, com dívidas dos anos vinte do século passado. A razão por que os países acumulam dívida é a mesma razão pela qual a acumulam as empresas e as famílias: para se poderem desenvolver.
Salazar não acumulou dívidas, mas em compensação entregou o país mais pobre da Europa, a seguir à Albânia. Os países não são supostos poder e dever pagar toda a sua dívida de imediato, por intimação dos mercados ou das agências de rating, tal como não são as famílias e as empresas. Aquilo que interessa, e que Sócrates destacou, é saber gerir a dívida: não deixar que o seu custo, o chamado serviço da dívida (amortização mais juros) atinja um ponto em que se torna mais elevado do que os benefícios proporcionados pelos empréstimos contraídos - porque aí o que estamos a fazer é a roubar as gerações seguintes.
Foi isso que nos escapou nos últimos anos - a nós e a toda a Europa e Estados Unidos. Assim, tanto Maastricht como a recente cimeira europeia de Bruxelas, não pretenderam proibir em absoluto o défice e as dívidas, mas estabelecer-lhes limites considerados sustentáveis - 3% do PIB antes e 0,5% agora para o défice, e 60% para a dívida acumulada.
A esta luz, temos de ler nas reacções quase histéricas às palavras de Sócrates (exceptuou-se Passos Coelho) uma explicação de outro tipo: o país, civil e político, procura afanosamente um bode expiatório para os males que o atingiram, e José Sócrates é o alvo talhado à medida. Pouco importa, aliás, que a crise tenha nascido de fora para dentro, e que atinja por igual todo o mundo em que vivemos: encontrar um culpado nosso serve de catarse para nos livrar a todos da culpa colectiva pelos erros que foram exclusivamente nossos. Convém, pois, fazer um exercício que os portugueses detestam: refrescar a memória. (..)
(Continuar a leitura AQUI)
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