terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Serviço público

Por ser de leitura obrigatória, transcreve-se O Fantasma de Paris, texto de Miguel Sousa Tavares no último Expresso:

"Uma curta e inócua declaração de José Sócrates em Paris, numa palestra informal, foi o suficiente para agitar todo o país político e desenterrar os ódios adormecidos contra o homem que nos governou até Junho passado. Como qualquer pessoa de boa fé percebeu, mesmo truncada e fora de contexto e mesmo antes de explicada pelo seu autor, a frase de Sócrates limitava-se a constatar uma evidência: que nem Portugal nem qualquer outro país pode ser confrontado com a demonstração de que seria capaz de pagar de imediato toda a sua dívida externa; tem apenas de a gerir, mantendo-a sob controlo.
Para quem não saiba, Portugal acabou de pagar, há um par de anos, dívidas que vinham do tempo da implantação da República, e o mesmo fez a Alemanha, por exemplo, com dívidas dos anos vinte do século passado. A razão por que os países acumulam dívida é a mesma razão pela qual a acumulam as empresas e as famílias: para se poderem desenvolver.
Salazar não acumulou dívidas, mas em compensação entregou o país mais pobre da Europa, a seguir à Albânia. Os países não são supostos poder e dever pagar toda a sua dívida de imediato, por intimação dos mercados ou das agências de rating, tal como não são as famílias e as empresas. Aquilo que interessa, e que Sócrates destacou, é saber gerir a dívida: não deixar que o seu custo, o chamado serviço da dívida (amortização mais juros) atinja um ponto em que se torna mais elevado do que os benefícios proporcionados pelos empréstimos contraídos - porque aí o que estamos a fazer é a roubar as gerações seguintes.
Foi isso que nos escapou nos últimos anos - a nós e a toda a Europa e Estados Unidos. Assim, tanto Maastricht como a recente cimeira europeia de Bruxelas, não pretenderam proibir em absoluto o défice e as dívidas, mas estabelecer-lhes limites considerados sustentáveis - 3% do PIB antes e 0,5% agora para o défice, e 60% para a dívida acumulada.
A esta luz, temos de ler nas reacções quase histéricas às palavras de Sócrates (exceptuou-se Passos Coelho) uma explicação de outro tipo: o país, civil e político, procura afanosamente um bode expiatório para os males que o atingiram, e José Sócrates é o alvo talhado à medida. Pouco importa, aliás, que a crise tenha nascido de fora para dentro, e que atinja por igual todo o mundo em que vivemos: encontrar um culpado nosso serve de catarse para nos livrar a todos da culpa colectiva pelos erros que foram exclusivamente nossos. Convém, pois, fazer um exercício que os portugueses detestam: refrescar a memória. (..)

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