É talvez por estar distraído das lições da nossa história que este gasolineiro nãosai da sua pacatez, nem desliza sorrateiro para o telefone ao receber os talões militares, senhor general dos comandos, sei como tem vocelência no coração uma alma de patriota, tenho acompanhado nos últimos dias tudo quanto tem feito para nos livrar do perigo comunista, pois olhe que passou agora aqui um desses traidores à pátria, num carro que também é vermelho, o melhor é deitarem-lhe a mão. Este gasolineiro não quer saber, acaso estará também farto desta pátria, limita-se a olhar mais atentamente o cliente paisano ao receber os talões militares, e, se perguntou aos próprios botões de que lado estará este na batalha que aqui se trava, não exteriorizou a pergunta e Gaspar não tem que responder, moita carrasco. Pelo sim pelo não arranca intranquilo, e mesmo sem razão avança mais depressa, à medida que se mistura no trânsito citadino.
Esta cidade está hoje mais sossegada do que é seu costume, dizemos nós quando deveríamos precisar que parece desconfiada e temerosa, os olhares comuns parecem outra vez os antigos, olha este homem o céu no temor de que ele traga chuva, quando ontem estava bem seguro do sol que todos os dias o sol manda. Olhares outros mais triunfantes haverá também por aí, não é difícil imaginá-lo, mas desses não encontrou Gaspar nenhum sinal na rua. E não é por distracção. Esqueceu-se de que, sendo a rua o natural lugar das emoções do povo, outros lhe preferem os salões. Deixa o carro no Campo Pequeno, a mulher o irá buscar. E é mais descontraído e confiante, por se ver assim dissolvido entre os passantes, que sai de novo para o subúrbio, na camioneta do Barraqueiro.(cont.)