quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

As Aves 4

Agachados na sombra, que nem sempre o luar triunfante é uma bênção dos deuses da luz, fazem-nos estes lembrar três conspiradores passando palavra no descampado, se é do preço da jorna que se trata ou se das oito horas da mesma nunca o saberemos, desnecessária congeminação esta que só imagens antigas alimentam, imaginações nossas deslocadas num tempo em que já não há patrulhas a cavalo pelos montes, de longe pastoreando ranchos de proletários descontentes, nem searas daqui se avistam, este campo é um pedregulhal cerrado, giestal bravio e um carrasco de horas em quando, nada aqui poderia medrar, que é das moitas, roeram-nas as cabras.

Estão os três homens estendidos no chão, cosidos com o terreno como já se tornou hábito ouvir, cada um deles procurando moldar os volumes do corpo às ásperas incomodidades naturais. O mestre passador ainda vá, é homem que não estranha intimidades com terras e mato, que sempre neles viveu e não se lhe dói o rude fato, não estes que são gente de cidade e usam vinco na calça, perderam aqui a estranheza, se não a relutância, que peso a isso os constrangeu é coisa que viremos a saber. Este da derradeira levantou dois calhaus que ali dormem, para acomodar uma perna cansada, cuidado com os lacraus, foi a voz sussurrada co capitão, se tal terá sido a justa palavra, há coloridos modos de dizer que os homens usam, como alcrários, o bicho é o mesmo e nem a peçonha varia, mas outro é o sabor na língua, que nem em todos os livros vem, por isso traduzimos nós, para alguma coisa aqui haveríamos de estar. Entendeu-o bem este homem, ou intuiu apenas, a perna é que não mais mexeu.

Nem a aragem, no suave céu. Sobe lento o fumo do cigarro que este esconde no côncavo das mãos, sinal de à vontade que baste no meio da tensão crispada que temos observado, o silêncio geral, o ramo que à passagem se ampara, o leve pisar, são gestos discretos de quem se quer calado e evita restolhadas. O geral dos homens, no comum da situação, aproveitaria tão propositado adjunto para das que fazer à língua, bendito instrumento muscular que, por força de tanto exercício, raramente sofre de paralisias, encordoamentos ou outras afecções. Bendigamos nós, de passagem, este magnífico dom, afinal era este o fogo de Prometeu, e bastas razões de queixa tiveram os deuses maiorais, se com ele os homens fazem e desfazem mundos, se criam ou aniquilam a si próprios, se eregem ou destronam os mesmos deuses. Não, porém, estes três que aqui vemos, destes silenciosos homens falamos. Porventura o simples facto de aqui estarem, neste lugar e nesta postura, os une e os identifica, nada têm a acrescentar ou a esclarecer, há casos assim em que os dados estão lançados, quanto ao resto só o silêncio é certo. (cont)