segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O mata-sete (2)

(...)
Mas vamos à história do João, que já deixou à espalda Sanza Pombo, já deu o seu bom-dia aos amigos da Quicua, e que agora, à vista da fronteira, mandou formação de combate e vozes de armar. O asa terá, ou não, ligado já o circuito das metralhadoras. E o João, impante e agressivo, disposto a levar a sério a sua missão de soberania, liga, sem olhar, os foguetes que traz. São dois enormes trambolhos que o bombardeiro vai arrastando sob as asas, pendurados nos mesmos ganchos das bombas. E o sofisticadíssimo sistema de armamento permite a escolha conveniente: ou larga tudo, quando é seleccionado o circuito das bombas, ou dispara os foguetes se tal foi a opção.
Ajustou o João o motor, e mandou ao asa que lhe cobrisse a manobra, lá em cima. O rio, assim visto de mais perto, límpido na manhã de sol, era uma fascinação para poetas. Mas não era para devaneios que o João ali estava. Por isso resolveu dar uma lição de soberania àquele preto, que freneticamente rema para terra, buscando no palmeiral um refúgio contra esse grande susto que aí vem, atroando os ares.
Dá um toque no rádio, aconchega-lhe o gás, puxa pela esquerda para a altitude de tiro, corrige o visor de que se tinha esquecido e entra no passe. Esmera-se com pequenas correcções, (o tempo dá para isso e ele não quer abater o homem!) e aponta à frente da canoa, em riscos de ruína sob a remada vigorosa do negro aflito. Lá lhe pareceu que era altura, e não conseguiu evitar um sardónico riso ao premir o botão de disparo.
Estranho sucedido este, que não viu sair os foguetes, antes parece que foi o raio do avião que deu um salto em frente! Carregou outra vez no botão, e o sacana do preto a desaparecer no palmeiral!
O João puxou bruscamente, pendurou-se na asa direita, o que ele queria era ver se ainda se podia fazer alguma coisa. E ficou esmagado quando descobriu, nas barbas das palmeiras, as carcaças dos contentores de foguetes.
- Ah cabrão, que falhaste a ligação!
E alinhou um comboio de imprecações a que não se pode aqui dar voz.
O pescador não soube o que fazer a tal oferta. O velho bombardeiro, liberto dos trambolhos a cortar-lhe o passo fatigado, deu mesmo um arranco em frente e lá seguiu, a 115 milhas. O João, com o dia todo estragado, esqueceu-se de reduzir o motor. E o asa teve que meter gás à tábua para o acompanhar.