quinta-feira, 1 de abril de 2010

"A crise mesmo"

Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal

Num dos últimos “Prós e Contras” da RTP1, em que se debateu a crise que a todos fustiga, participaram alguns dos mais significativos representantes da inteligência portuguesa. Entre eles o filósofo José Gil, o gestor Pires de Lima, o administrador da Gulbenkian Diogo Lucena e o estrangeirado Eduardo Lourenço. O mote era a política e a economia. E procurava saber-se quem comanda quem, no mundo de hoje.
Confesso ouvir sempre com agrado o discurso esclarecido de Eduardo Lourenço. Logo a abrir, o filósofo de S. Pedro do Rio Seco (que fala como quem reza) deixou claro que não percebia nada de economia, e se sentia melhor a falar de política. Começou por dizer que esta não é uma crise como as outras. Esta é “a crise mesmo”, o epicentro de um tsunami. E lembrou que, na crise dos anos 30 do século passado, havia uma alternativa. Havia um grupo que propunha uma via diferente, prometendo a utopia de um outro mundo com mais igualdade e mais solidariedade. Talvez quisesse dizer que naqueles anos havia Marx (que chegou, aliás, a referir) e havia Engels, e que sempre tínhamos a Internacional Socialista. Mas desta vez não existe alternativa. Como se dissesse que desta vez ninguém sabe o que está do outro lado, porque outro lado não há. E que andamos todos às apalpadelas, à procura da saída.
Outros falaram, e pouco acrescentaram aos vulgares lugares comuns sobre a matéria. Não se viu aparecer um fio condutor para organizar as ideias. Um jovem académico começou por rejeitar enfaticamente as opiniões alheias. Lembrou que um dos pressupostos da democracia é a promessa de uma prosperidade contínua. E alertou para o risco de, no futuro, essa promessa poder não se cumprir. Mas não arriscou vaticínios nem tirou conclusões.
Por um momento pareceu tocar “no quente” da questão, quando se referiu ao problema demográfico. Mas perdeu-se em conjecturas, falou do envelhecimento populacional, da falta de tempo para fazer filhos, e pouco mais acrescentou.
Depois falou-se muito da Europa (um dos dois ocidentes, pois que o outro é a América), que foi espaço e matriz de cultura planetária, e mais parece ter deixado de ser actor no palco onde se jogam os destinos do mundo. Falou-se dos países emergentes, da China e da Índia, falou-se da pobreza e das gritantes disparidades. Mas nenhum dos intervenientes foi capaz de descortinar o âmago da crise, de pôr o dedo na ferida, de sondar a suas razões mais profundas.
Ora a presente crise vinha anunciada desde 1972, com a publicação de Limites do Crescimento (Limits to Growth) do Clube de Roma. Mas o alerta passou ao lado do sistema. Porque a mensagem essencial da equipa de Denis Meadows era uma verdade incómoda que interessava negar, pois ela questionava a essência do modelo económico vigente: a necessidade de crescer continuamente, para poder manter-se. Não ensinavam os manuais de economia que só com o crescimento se alcança o pleno emprego?
Mais do que uma opção, a globalização, que veio a seguir, foi a via natural que asseguraria esse crescimento. Foi a continuação lógica do pensamento liberal, impulsionada pela “mão invisível” de Adam Smith. Entretanto a população disparou, urbanizou-se, consumiu, viajou, poluiu, e durante os sessenta anos do pós-guerra tudo cresceu exponencialmente. E a mente humana, que não entende bem as consequências do crescimento exponencial, deixou-se iludir pela eternidade da Idade do Ouro e do consumismo moderno, e acreditou que a festa iria durar sempre!
Mas a realidade é implacável, e as leis da Física ainda são piores. Cada vez mais parece confirmar-se que atingimos os limites do crescimento. Afinal Malthus e Meadows (Limits to Growth) tinham razão. Porém, sem crescimento, a economia de mercado pura e simplesmente não funciona. E estão em causa os fundamentos da riqueza das nações.
A energia abundante e barata está a esgotar-se. Há 5 anos que a produção de petróleo estacionou nos 85 milhões de barris por dia. O combustível que foi a principal causa do progresso dos últimos 100 anos escasseia ou encarece. A população cresceu para lá dos limites daquilo que o planeta pode suportar, tendo sobretudo em conta que os hábitos de consumo se alargaram a centenas de milhões. Contra todo o senso, a população continua a crescer, fala-se de 9 mil milhões em 2050. O estado social e protector corre o risco de colapsar!
A complexidade da economia e do sistema social subjacente começa a ter custos de manutenção demasiado elevados. Podemos estar a pagar por essa complexidade um custo superior aos benefícios que ela traz. O remédio é mudar de paradigma, é buscar rapidamente a via de transição para uma economia e uma cultura pós-carbono. Há quem acredite ser ainda possível fazê-lo sem convulsões.