E sobre o mais continua Portugal a arder, é sul e é norte, razão tinha o monsenhor. Será deles a culpa, centenas de sedes comunistas são incendiadas por todo o país, em Famalicão cai o primeiro morto, algumas dúzias mais hão-de cair. Rebentam bombas em Pinhel, nas ilhas, em Lisboa há carros destruídos, casas, instalações, de todas a maior bomba é roubarem os bombistas o tesouro de Santa Maria da Oliveira, será tudo para glória de Deus. Os mutilados do império cercaram a assembleia de São Bento, este largo é uma floresta de muletas e de pernas de pau, aqui se tornam máquinas de guerra as cadeiras de rodas, tanto tempo escondidas, faça-lhe a conta quem dúvidas tiver. O Secretariado Nacional Provisório pró-Conselhos Revolucionários de Trabalhadores Soldados e Marinheiros apela à dissolução da Constituinte, e alguma voz promete, o nosso Outubro chegará também. Chega não chega, pedem os operários desta fábrica têxtil o regresso do patrão, e o general do olho de vidro ameaça atacar o Alentejo dentro de três semanas. A norte e a sul colunas de estrangeiros garroteiam Angola, e cinco mil cubanos aguentam Luanda a poder de metralha. A popa do império afunda-se no mar como um Titanic, Dili está a ser arrasada, e o governador de Timor pede a Lisboa médicos, enfermeiros e remédios, em desespero pede a Lisboa os meios que nunca virão, para salvaguardar as próprias tropas. Trinta mil manifestantes assaltam cinquenta autocarros da Carris e rumam à Trafaria, a libertar dois soldados presos. Meio milhão de punhos erguidos encurralam em São Bento deputados e governo, são operários da construcção civil que vieram de longe à procura dum czar, à procura dum palácio de inverno, mas já vão desistindo porque nem um nem outro acharam, e é um Aljube novo que aqui foi ensaiado, para alguém há-de servir. A Renascença é dinamitada por ordem superior, o governo suspende actividades por falta de condições, Carlucci já reuniu um grupo de militares e partiu para a América, os dados estão lançados. (Cont.)