A dona Belisanda tinha a dimensão duma catedral gótica, o próprio nome o dizia. Numa sala duma casa da aldeia albergava cinquenta ganapos, da primeira à quarta classe. Cuidava-lhes da higiene física e da limpeza mental. E não hesitava em mandar um infractor lavar os pés no ribeiro que passava próximo.
Ainda hoje não entendo como ela fazia aquilo. Primeiro dava a aula da primeira classe. Depois era a da segunda. Por fim lá chegavam os da terceira e da quarta. E mantinha tudo em ordem.
Numa pequena horta, à entrada, havia um damasqueiro. E não há notícia de que alguma vez um ratoneiro tivesse metido a mão à fruta. Lá atrás, no cabanal, alguns perús grasnavam de horas em quando. Mas quem cuidava deles era a criada, a Maria, que os calava com urtigas cozidas. Muitas vezes eu lhas trouxe, que havia muitas lá no quintal, debaixo da nogueira grande.
Um dia, pelo Natal, ia eu na quarta classe, a mestra claudicou. Adoeceu de surpresa. E a ganapada viu nisso uma prenda de Natal. Temendo, porém, uma baixa demorada, e o atraso de um anito, os meus pais resolveram conversar com a professora da Torre, ali a três quilómetros. E ela aceitou receber-me. De formas que eu ia todos os dias, pela estrada velha, de sacola ao ombro, e uma cabacinha com refresco de café, que a minha mãe me dava sempre de presente.
Nesse tempo os castanheiros do Vale Azedo ainda não tinham morrido. E eu lá ia, todo contente na sua companhia, metendo o nariz em todo o lado. Um dia descobri, debaixo dum silvado, um ninho de perdiz com uma catrefada de ovos. E passei a visitá-lo todas as manhãs. Até que alguém armou um laço com pelo de cavalo, no corredor da entrada. A perdiz enjeitou o ninho, e os ovos lá ficaram.
Os meus novos colegas, vendo-me de cabacinha, cuidaram que era vinho. E passaram a olhar-me como um homem. Mas um dia, algum mais aventureiro achou-me distraído e foi-me ao vinho. Não faltou nada para uma risada. E assim se desfizeram as minhas boas famas.