terça-feira, 22 de novembro de 2011

Cantistas

Fôramos nós um povo ilustrado, conhecedor da história e atento aos seus sinais, e já saberíamos que os tempos actuais de penúria e desespero não têm nada de inédito. Antes foram uma constante, numa história desgraçada.
Desde a inútil aventura de Ceuta, que teve início na temeridade duma rapaziada de corte aventureira, para terminar na catástrofe de Alcácer, só variou a oportunidade dos factores. Na essência, raro saímos da beira do precipício.
Nunca tivemos a sageza, nem o merecimento, de aprendermos com os erros as devidas lições. Porque sempre nos dirigiram, e manusearam, elites de corruptos e traidores, que governaram a vida à custa das nossas misérias. Nesse aspecto os últimos trinta anos são exemplo transparente. Só o não vê quem não quer.
Nos picos mais agudos e aflitivos dessa errância, que mal merece o nome de percurso histórico, sempre as elites dirigentes abasteceram a escudela do povo com mitos, balelas épicas e trovas à la Bandarra. E ainda hoje continuam a fazê-lo, com a ajuda inconsciente duns quantos palermas úteis, que se prestam a adoçar-nos a amarga pílula dum suposto destino histórico e duma imaginária gesta imperial. Bastas vezes donde menos se espera.
É o caso do Fausto (Bordalo Dias), que em tempos, "por este rio acima", nos brindou com um disco de puro génio. Ateve-se, nessa altura, aos ecos da Peregrinação, do Fernão Mendes Pinto.
Agora resolveu dar-lhe continuidade, atento a outras memórias, a diferentes pesquisas, a estranhos depoimentos. No quadro dum império de pura ficção, que desde o início alienou o povo inteiro e agrilhoou o país à decadência e ao subdesenvolvimento, a música de Fausto vem confrontar-nos com quê?!
"Os motivos principais privilegiei-os neste disco. Há os que partiram pelo sonho, pela descoberta, e há os que o fizeram pela conquista de mercados. O Luís Cadamosto, que me inspira a dado momento, partiu para negociar cavalos e trazer ouro, especiarias. Privilegiei os sonhadores, os viajantes da descoberta e as gentes do negócio, que vinham para a troca. Procurei esquecer os expedicionários. (...)
As próprias expedições galvanizavam a população portuguesa até ao séc XIX. As multidões vinham para a rua ovacioná-los no regresso. Tiveram tanto impacto como uma viagem à Lua. Havia esse maravilhamento pelo desconhecido, que vinha já do séc XVI, mas que avançou até ao séc XIX, uma coisa espantosa.
" (do último ATUAL)
Não sei de que literaturas épicas se alimenta a trova do cantista. Sei só que o seu efeito é mais tóxico e mais alienante que o dos que fazem vida a promover o fado como património geral da humanidade. Essa cantiga doente, (está bem, pronto, plangente e fatalista!) que uma fidalguia viciosa apadrinhou.